A Classe (Estônia - 2007)

Por Wilson Araújo, em CINEMA

A Classe (Estônia - 2007)

07 de Abril de 2015 às 15:57

Dezesseis de abril de 2007. Cho Seung-hui entra em um alojamento de sua universidade, o Instituto Politécnico da Universidade Estadual de Virgínia, e atira em duas pessoas. Duas horas depois, volta ao campus e mata outras trinta pessoas que estavam em salas de aula.

Vinte de abril de 1999. Eric Harris, de 18 anos, e Dylan Klebold, de 17, estudantes da Columbine High School tomam o controle dos corredores com revólveres e bombas caseiras. Doze alunos e um professor são mortos. Depois, os dois se mataram.

Sete de abril de 2011. Wellington Menezes de Oliveira, 23 anos, invade uma escola em Realengo – Rio de Janeiro e mata 12 alunos a tiros.

Um garoto de apenas 12 anos se suicidou em Vitória/ES, em 2012. O menino era gordinho e recebia os piores apelidos, além de apanhar constantemente.

As histórias acima, apesar de separadas no tempo e geograficamente compartilham muitos traços. Além do horror óbvio, todos os agressores foram ao mesmo tempo vítimas. Vítimas de abusos constantes e ininterruptos, frutos do fracasso social e das relações humanas, da ausência de acompanhamento e saída civilizada de seus problemas.

Antes de demonizar, ou melhor, de tratar os agressores como demônios sem resquícios de solidariedade humana é bom ter em mente que todo mundo tem um ponto de ruptura. Tudo e todos conseguem suportar até um determinado momento toda sorte de abuso e agressão até que, encurralado, amedrontado e sem mais qualquer perspectiva, apenas uma saída parece possível.

Não que justifique, porque nunca irá, mas muita coisa se esclarece quando se olha pelos olhos de ambas as partes.

A Classe nos dá essa perspectiva e por isso é um filme bastante perigoso. O filme anda longe de deixar o público simplesmente revoltado com os acontecimentos. Assim como em grandes produções, apesar do baixíssimo orçamento, Ilmar Raag traga o espectador para o mundo que ali se desenrola.

Através de tomadas rápidas, e sequências contínuas e torturas físicas e psicológicas o espectador imerge na mente dos garotos Joosep (Pärt Uusberg) e Kaspar (Vallo Kirs). Este último fazia parte da turma que maltratava o primeiro até decidir defendê-lo e sofrer as consequências de seus atos.

O que torna a atmosfera deste filme cada vez mais sufocante e estreita é a complexidade social que circunscreve o tema. A premissa básica, como dito, são dois garotos que sofrem maus tratos dos colegas na escola, ambiente onde, supostamente, deveria prevalecer a difusão de educação e elevação do espírito fraterno.

Além disso, todavia, ainda que a crueldade juvenil fosse ilimitada (algo que pode, se não acontecer, ao menos ficar incontrolável), certamente não teria plena eficácia se o resto da sociedade civil adotasse medidas de repressão e educação contra essas barbáries.

Adolescentes se incitam em grande parte pela aprovação que recebem. Assim, quando os demais alunos da classe de Joosep e Kaspar riem das brutalidades que estes sofrem, incentivam a continuidade dos atos. Some-se a isso que muitas vezes o maior combustível do ódio é a mera prática desse, que faz com que depois de certo tempo não se sabe mais porque se agride, mas a vontade de continuar é incontrolável.

Outro fator importante discutido é a inércia de professores e diretores, acomodados com a frágil disciplina de sala de aula e alheios aos menores que lhes são responsabilidade também fora das salas e do perímetro escolar. Professores e Diretores são, antes de tudo, educadores e responsáveis pela formação do caráter de um jovem.

Mas, acima de todos, A Classe, diferentemente de outros filmes que tratam sobre tema, não poupa os pais de sua responsabilidade sobre a vida e bem estar de seus filhos. Mário Sérgio Cortella, quando traça a diferença entre educação e escolarização afirma, em apertada síntese, que educação é dever da família e que a escola assume um papel complementar e auxiliar.

De fato, comportamento agressivo geralmente é sinal de uma vida familiar conturbada e violenta o que talvez explique muito sobre Anders (Lauri Pedaja), o algoz dos personagens centrais. Como, porém, as relações pessoais não se matematizam, também os pais das vítimas assumem papel importante na manutenção dos horrores. É o exemplo do pai de Joosep, um desempregado de índole violenta que mesmo sabendo o que o filho sofre conforma-se em pressioná-lo a revidar, mesmo sendo o garoto de alma serena e pacífica, deixando-o uma espiral descendente de tormentos internos.

É dessa forma que, dia após dia, abuso após abuso, num beco sem saída cada vez mais estreito e escuro o espectador sabe qual a única saída possível. E aqui reside o grande perigo. Nós torcemos pelo resultado sabidamente errado, e talvez por isso, único possível.

Sim, no final corremos o risco de nos tornar tão perversos quantos os algozes, verdugos do carrasco. Edgar Allan Poe diria que essa perversidade, apesar e a desdenharmos nos persegue e que “sob sua influência agimos sem objetivo compreensível, ou, se isto for entendido como uma contradição nos termos, podemos modificar a tal ponto a proposição que digamos que sob sua influência nós agimos pelo motivo de não devermos agir”.

A classe nos leva aos dois mundos. Somos torturados e logo depois...

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