A Eternidade e um Dia (Fra/Ita/Gre, 1998)

Por Diego de Montalvão, em CINEMA

A Eternidade e um Dia (Fra/Ita/Gre, 1998)

20 de Abril de 2015 às 16:14

E se eu fosse o primeiro a voltar
Pra mudar o que eu fiz
Quem então agora eu seria?
(Rodrigo Amarante)

Quanto tempo dura o amanhã? Esta é a questão central que angustia Alexander (Bruno Ganz). Um mês, um ano, ou “um século, três?” Seriam estas definições meras formas de medir o tempo?

E qual a sensação que estes cortes no tempo imprimem a nós, atores da vida moderna? Tudo é tão efêmero e entediante, ao ponto de não sentirmos a real passagem do tempo. Paralelamente, somos obrigados a observar, impassíveis, os bons momentos se consumirem pela rotina?

Partindo de Aristóteles, seguindo por Santo Agostinho, chegando a Heidegger, grandes nomes da história também refletiram sobre a passagem do tempo; ou pelo menos tentaram torná-lo palpável e compreensível aos homens. Platão, a priori, dera a sentença: o tempo é a imitação móvel da eternidade.

Desta forma, Theo Angelopoulos narra história de um famoso escritor grego que, em sua velhice solitária, encontra-se em uma nostalgia infindável que lhe roubou as palavras e sua inspiração. Como em Time (Pink Floyd), Alexander vivencia o sentimento de vazio interior na terceira idade: “o tempo passou, a música acabou, pensei que eu tivesse algo mais a dizer.” A saída do escritor resume-se a “comprar” palavras de desconhecidos, numa metáfora que ilustra solidão; para além, uma incômoda sensação onde sua vida escapa a despeito de sua vontade.  

Mas a problemática de Alexander sobrepõe aspirações: Tal qual Belchior, Alexander não está “interessado em nenhuma teoria, em nenhuma fantasia”. Para o escritor não sobra tempo e tampouco fingimento; em meio a reminiscências de sua infância e juventude, o protagonista é reticente e, sentindo-se isento com o mundo, lembra o médico Isac, em Morangos Silvestres (1957), quando indagado sobre a existência de Deus: “Não me perguntem, pois qualquer coisa que eu dissesse seria recebida com indulgente ironia”.  

Carpe Diem - clama John Keating em Sociedade Dos Poetas Mortos (1989)- “Aproveitem o dia”- é o lema com o qual o professor de literatura tenta inspirar seus alunos a se tornarem livres-pensadores e seguirem suas aspirações, evitando arrependimentos e frustrações futuras. A vida não dura indefinidamente: entre o que foi e o porvir existe o presente, este “abismo” construídos de causas e efeitos que fatalmente não pode ser anulado tal qual a vontade do indivíduo pois, segundo Borges, “modificar o passado não é modificar um fato só; é anular suas conseqüências, que tendem a ser infinitas.”

Ante ao fim, simbolismos adentram a jornada de Alexander. Tudo representa o sentimento de inadequação do ser que Alexander carrega: uma criança refugiada, um escritor nacionalista exilado e sua mãe a beira da morte. Os saltos representam a atemporalidade dos sentimentos: alegria, tristeza, amor, ódio, vulnerabiidade e superação. Assim me remeto novamente a Jorge Luis Borges para Justificar a impotência do homem diante da passagem do tempo: “Eu fui Homero; em breve, serei Ninguém, como Ulisses; em breve serei todos: estarei morto.” 

Passado ou futuro, tudo seria melhor em outra época? O problema é a efemeridade tempo ou o tédio do homem atual? Eterna divagação? Nem tanto assim. Quando se refere ao tempo, costuma-se afirmar que o as fraturas que impomos nele é que nos fazem vivos plenamente e permitem-nos perceber a passagem da vida.

Envolver-se com literatura, discutir sobre manifestações artísticas, enamorar-se, momentos de prazer com bons amigos: todos estes instantes ludibriam o sentido da passagem do tempo e assim tornam-nos menos consumidos pelos acontecimentos rotineiros. Em última instância, fazem-nos sentir vivos.

A Eternidade e Um Dia foi premiado em Cannes com o prêmio mais importante, o do Juri, em 1998.  Mais do que um olhar sensível sobre a velhice, Theo Angelopoulos se destaca pelas inúmeras referências retratadas neste longa-metragem. Como uma enciclopédia, o diretor aborda temas políticos, artísticos e filosóficos com sobriedade rara. Contextualizando, mais do que escolas literárias ou vertentes políticas, o que se sobrepõe é o ser: o foco sempre é Alexander em sua jornada metafísica. O diretor tem seu mérito por ter filmado a alma em movimento. Para além, soube transpor em imagens e, como poucos cineastas, fugir dos lugares-comuns: assistir a A Eternidade e Um Dia requer atenção, envolvimento e, prioritariamente, admiração pela vida.

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