A História da Eternidade (Recife, 2014)

Por Leonel Veloso, em CINEMA

A História da Eternidade (Recife, 2014)

01 de Abril de 2015 às 15:43

Era sábado quando passei na Cidade Nova pela última vez. Peguei o retorno em São Cristóvão, contornei a Quinta da Boa Vista e direto já estava na Linha Vermelha. A trilha sonora recém acordada deu lugar a um sonoro silêncio: ritmo do pensar. A reta imaginária que seguiu contornos aritméticos de uma Via Expressa me permitiu imaginar o que estava a me esperar. Ou, quem sabe, o que eu não estava esperando. Tal qual um raio, logo as ‘luzes da cidade nova’ começaram a aparecer. O cheiro era estranho, o brilho era cinzento e, da água, só garoava. De nome, já me contive na Marginal e, de número, com a 23. Era março, mas era a de Maio. E cheguei na Arabé, com o peso de um acento. Bairro de orientais: silencioso, acolhedor, com um céu menos perturbador. Em nada lembrava os lados do norte, por assim dizer. Era o primeiro dia do início de uma nova vida.      

      ‘Desde quando tudo em volta importa?’ – era uma frase que ecoava e transitava no meu pensar. E seu pesar, aliás, já havia se transformado. ’Tudo estranho’. Não podia não pensar nos caminhos que deixei para trás, naquele ritmo diferente que me aparecia ou nos ainda discretos sinais que ainda aconteceriam. Mas só de quimera não vive o homem. Era necessário, de fato, transitar. Nos caminhos que percorri, percebi pessoas, estas sempre aceleradas; percebi ruídos, muito barulho; percebi mudanças de clima; e percebi no escuro um pouco mais de claridade. Foi nessa penumbra de sentimentos e de novas sensações, que fui me vendo em separado do ‘de Janeiro’ que, até pouco tempo atrás, travava um composto tão palatável como entre Rios, e terminei mais uma vez num encontro surpreendente com a Sétima Arte. Foi assim que conheci a primeira obra em cinema de Camilo Cavalcante.

“A História da Eternidade” se passa em um vilarejo do sertão semi-árido e com a caatinga de permeio, em que as poucas casas, de tão próximas, tornam-se automaticamente vizinhas umas das outras. Nestas, vivem três mulheres que protagonizam, cada uma, os diferentes atos em que se divide o filme: Pé de Galinha, Pé de Bode, Pé de Urubu. Das Dores, Querência e Alfonsina são os seus nomes. De semelhança, diferentes homens que as circundam em acordo a múltiplas sensações de um mesmo sentimento: a solidão.

       Das Dores (Zezita Matos) é a senhora sozinha que aguarda com agrado a chegada do neto Geraldo (Maxwell Nascimento). Querência (Marcélia Cartaxo) é a senhora sozinha que vive um luto sem finitude e que guarda com dor e rancor um sentimento que só a amaurose de Aderaldo (Leonardo França) consegue penetrar. Alfonsina (Débora Ingrid) é a senhorita sozinha que sonha conhecer o mar e tem em seu tio Joãozinho (Irandhir Santos) a idolatria e a esperança de que só assim o verá. Três mulheres densas, concretas, singelas e que parecem estar, na verdade, a espera ‘de o amor entrar’. Solidão e amor estão, aqui, tão próximos quanto as personagens estão dos seus próprios medos, vicissitudes e angústias.

E com a câmera quase sempre estática, esses sentimentos se bifurcam à  beleza da fotografia e à profundidade da trilha sonora. De Dominguinhos a Márcio Greyck, de Secos e Molhados aos dedilhados, a obra nos permite viajar por um mundo além do sertão: miúdo, místico, metafórico. Aqui é permitido ‘trazer o mar de algum lugar’, viajar, saber como se é presente e vidente vivendo todas as horas.

       E de imediato, quando voltei a mim, quando me recordei aonde nasci, quando senti a saudade dos que não estão por aqui, quando me permiti ver a cidade sob outros moldes, veio ao meu semblante a lembrança de que ‘o sertão é e não é; ele está em todas as coisas’.

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