A igualdade como postulado fundamental em desuso

Por Zoroastro de Albatroz, em ENSAIO

A igualdade como postulado fundamental em desuso

24 de Abril de 2023 às 18:13

As leis da igualdade já estão roucas de gritar, mas não morreram. Estão apenas amordaçadas. Urge libertá-las!

Toneladas de papeis já foram gastos e tanques de tintas derramados no trato do princípio da igualdade.

Eis mais uma borrinha de tinta.

Uma versão diferente: ao mesmo tempo moral e jurídica; romântica e pragmática; pacífica e revolucionária.

Sou positivista, me agarro no texto das leis, para que não me tachem de utópico, comunista, revolucionário, demagogo, subversivo ou desvairado.

Liberdade, igualdade e fraternidade. Este foi o postulado central da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, proclamado pela Revolução Francesa de 1789, ainda hoje integrante do Preâmbulo da Constituição da França. Essa foi a bandeira de luta que a burguesia empunhou para sediciar a massa, que, enlouquecida e enfurecida, pôs abaixo a Bastilha em 14 de julho, decaptou o rei Luís XVI, a rainha Maria Antonieta e detonou toda a família real. Instalou-se o governo revolucionário-salvador, que acabaria com os privilégios da nobreza e do clero, que, segundo a propaganda, nada produziam e viviam nas costas do povo. Era o fim da corrupção e a glória daqueles que viviam do seu suor. Um novo tempo de justiça para o povo, era o prometido.

Mas a corrupção dessa primeira república foi tão intensa que elegeram o homem mais correto e impiedoso para saneá-la – o jacobino Maximillien Robespierre, que instalou uma ditadura implacável, o Reino do Terror.

Ele pôs em prática a guilhotina para decaptar os corruptos, os desonestos e os rebeldes aos ideais da Revolução. A guilhotina foi o instrumento sugerido pelo médico Guillotin, para substituir a forca e o machado, que causavam mais sofrimento à vítima. A forca às vezes não estrangulava de imediato o pescoço da vítima, levando-a a imenso sofrimento para morrer; o machado, às vezes, falhava na primeira aplicação.

A guilhotina foi utilizada sem clemência nem piedade, fazendo rolar diariamente dezenas de cabeças. Mas não dava jeito. O próprio Guillotin foi vítima da geringonça que inventou, bem como o homem mais correto daquela república, Robespierre, também foi decaptado. Esse processo gerou a Napoleão Bonaparte, o imperador que se autoproclamou e se coroou, para significar que não era submisso ao Papa. E nova história se inicia.

Pois bem, e a igualdade?

Esqueceram-na. Russeau teorizou a soberania popular, em que todas as decisões do Estado viriam pelas deliberações do povo. Mas Sieyés antepôs a teoria da soberania nacional, que dá sustentação às razões de Estado, aos governos autoritários. Com isso, tangenciou o povo.

A igualdade foi reduzida a num texto de lei (todos são iguais perante a lei) sem o mínimo suporte material. Daí, dos três postulados da Revolução Francesa de 1789, restarem a ironia de Anatole France: liberdade para morar debaixo da ponte e comer pão mofado; igualdade aos mais frágeis para serem trucidados pelos mais fortes, acrescentamos, e fraternidade apenas entre os iguais.

Tomás Morus ironiza que na civilização cristã ocidental:

Há duas justiças: uma, boa para o povo simples, anda a pé, se arrasta pelo chão, dificultada por mil correntes em todos os seus movimentos; a outra é para uso dos reis e, por ser mais augusta que sua plebeia irmã, é também mais livre, dispensada de tudo que lhe desagrade.

A Utopia data de 1516. Mais de quinhentos anos depois, o que mais assusta é o total desdém que ainda se faz desse princípio, esvaziando-o despudoradamente. Os três Poderes irmanados no mesmo objetivo de tangenciá-lo. Por exemplo, diz o Supremo Tribunal do Brasil que, se um trabalhador terceirizado trabalhar ao lado de um obreiro efetivo da empresa, fazendo exatamente o mesmo serviço, não tem direito à igualdade salarial, apesar do princípio da igualdade na Constituição e nas leis (“A todo trabalho igual corresponde a igual salário... Art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho).

No entanto, apesar da indiferença dos bem aventurados da República, o princípio da igualdade mantém-se com sua força centrípeta, como uma chama acesa, a inspirar e legitimar os movimentos e as reivindicações. Pois, verbera Cícero:

Sendo a lei o laço de toda a sociedade civil, e proclamando seu princípio a comum igualdade, sobre que base assenta uma associação de cidadãos cujos direitos não são os mesmos para todos? Se não se admite a igualdade da fortuna, se a igualdade da inteligência é um mito, a igualdade dos direitos parece ao menos obrigatória entre os membros de uma mesma república. Que é, pois, o Estado senão uma sociedade para o direito?...

Volta-se à dura observação de Aristóteles, segundo o qual justiça e igualdade são discurso dos frágeis e dos pobres, porque os ricos e os fortes não nem têm necessidade de uma nem da outra. Porém, advertimos que, nunca se sabe, de uma hora para outra, a roda da fortuna e do poder giram e...

Todavia, o princípio representa exerce sua força gravitacional, esmurra as paredes da masmorra onde a aprisionaram, representa uma chama acesa no fim do túnel, a convidar para a luta por sua efetivação.

Afinal, texto de lei não assegura direito. Ele é apenas a espada entregue aos intrépidos sonhadores e realizadores, como averbou Ihering, que o direito nasce e se concretiza pela luta.

À luta cidadãos!!!

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