A Partida (Japão, 2008)

Por Leandro Lages, em CINEMA

A Partida (Japão, 2008)

17 de Agosto de 2016 às 01:24

É idêntica para todos a entrada na vida, e a partida.
Salomão - Livro da Sabedoria: 7,6
A morte talvez seja o único ponto de concordância entre todas as religiões. Todos morreremos e cada religião tenta explicar os motivos, as consequências e o que virá após a morte. Até os ateus e os agnósticos “creem” que a morte, inapelável, um dia virá.
Muitos filmes e livros já trataram do assunto, mas nenhum como o filme japonês “A Partida”. Sem adentrar nas questões filosóficas ou religiosas a respeito da morte, o filme consegue tratar apenas do fenômeno "morte" em si, e pronto!
A trama gira em torno de Daigo, um violoncelista desempregado após o encerramento da orquestra em que tocava. Na busca por um novo emprego aceita o primeiro que lhe aparece: trabalhar com embalsamamento de cadáveres.
No Japão, o embalsamamento é realizado na frente dos familiares e consiste em um ritual de assear, maquiar, pentear, barbear e vestir o morto.
O novo emprego causa vergonha a Daigo, que o esconde da esposa e dos amigos, limitando-se a dizer que trabalha com cerimônias. Obvio que não conseguirá esconder a verdade por tanto tempo, situação que o faz enfrentar crises familiares e existenciais.
Dois motivos o apegam ao trabalho: a boa remuneração e o convívio com o seu novo patrão, um senhor de idade por quem nutre a cada dia uma grande admiração e cuja presença contribui para tornar o filme mais carismático ainda.
No início a trama transcorre em tons leves e bem humorados em virtude da falta de habilidade de Daigo com os primeiros cadáveres e das tentativas de esconder o novo emprego.
Aos poucos a atmosfera do filme muda. Daigo passa não só a compreender a importância do seu trabalho, como a também admirar a profissão, momento em que se entrega de forma cada vez mais cativante à atividade.
À frente dos cadáveres se comporta tal qual um pintor que, concentrado diante de uma tela branca, lança pinceladas suaves e leves até concluir a sua obra de arte.
Daigo trata os mortos com extremo respeito e carinho, sendo possível perceber a mesma concentração e leveza enquanto toca o seu violoncelo nas horas vagas, evidência de que encontra realização em seu novo labor.
Por esse motivo, “A Partida” também pode ser visto como um filme que aborda a dignidade e a importância de qualquer profissão, deixando um dilema para reflexão: devemos trabalhar no que gostamos ou precisamos aprender a gostar do nosso trabalho?
E nessa perspectiva é possível traçar um paralelo com o filme francês “O valor de um homem” (2016) e sobre como as leis do mercado e as competições no ambiente de trabalho diminuem a importância de algumas profissões e tornam as pessoas amargas.
Sem adentrar nas reflexões filosóficas ou religiosas sobre o sentido da vida ou sobre o que vem após a morte, o filme demonstra, de forma simples, que a morte faz parte da vida, uma conhecida e inapelável verdade que muitos insistem em não aceitar.
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