A PROFECIA

Por Wilson Araújo, em CONTOS

A PROFECIA

16 de Agosto de 2017 às 18:17

Eu descia por dentro de uma montanha. Sim, era um caminho por dentro da montanha, em espiral descendente, contornando sua estrutura, seu corpanzil pedregoso, rígido, quase imutável. Eu descia calma e cadenciadamente, o teto era quebrado e entrecortado pelos raios de sol que desciam pelas frestas, malhando o chão rochoso com a luminosidade amarela e quente.
Eu descia sozinho, lembro bem, sem sentimentos eufóricos nem pressa, nem coisa o valha. Eu, descia.
E desci.
Ao fim, no sopé da montanha, atravessei a entrada sem portas, apenas bordeada pela rocha, como umbral. Não tinha avisos nem proibições. Se entrava e saía.
Embaixo, era um campo verde, de grama sadia. À frente um lago cristalino, com água tão transparentes que se via os peixes mordendo o anzol que os homens e meninos usavam para pescar.
Contornando o lago, à sua esquerda uma vila de casas de palha, crianças correndo, mulheres cantando, lavando a roupa, a louça, penteando os cabelos. Homens bebiam, cortavam lenha, fumavam seus cigarros, guardavam o gado, estripavam um bode.
Eu caminhei e olhei tudo, como fantasma, ninguém me notou.
Aí, como de repente, perdi aquela consciência, daquele local, fui a outros, como despertar ou o contrário, não sei. Como retorno ou viagem, fui-me. Num espaço sem tempo, forma ou matéria, eu perdurava e existia (apenas pelo fato de perguntar se havia existência), eram ângulos impossíveis e cores variantes. Piscavam e determinavam as coisas. Elas me comunicavam. A cabeça doeu, pedi que parasse era muita informação.
Aí compreendi. Ali eu tive acesso e conheci todas as coisas. Eu soube do todo e conheci os segredos, os mistérios foram revelados. Então era aquilo, para o qual tudo existe, pelo qual tudo se move.
Quando voltei, era o todo da montanha. Na parte de dentro. Mesmo local.
As certezas e o conhecimento que foi revelado se foram imediatamente. Só sabia que tinha sabido de algo, mas desse algo nada mais restava na lembrança. O mundo era físico de novo e determinado por equações.
Desci pelo interior da montanha de novo. Dessa vez era noite e o que entrava pelas frestas eram os raios da lua.
Eram mil anos depois.
No fim, um deserto estéril e poeirento. O lago era um imenso lamaçal (lama radioativa, eu sabia), onde gigantescos porcos chafurdavam e comiam uns aos outros.
A vila era um imenso fogaréu, dezenas de metros de altura.
Ao redor, em estacas altas, 66 vezes 6 corpos empalados.
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