A Separação (Irã, 2012)

Por Leandro Lages, em CINEMA

A Separação (Irã, 2012)

31 de Dezembro de 2014 às 13:37

Qual o maior legado que os pais podem deixar aos filhos? Educação? Permanecerem unidos? Bons exemplos de vida? Uma resposta exclui a outra? É provável que não.

E como os filhos podem retribuir isto? Cuidando dos pais na velhice? Seguindo os exemplos paternos? Conquistando a independência pela educação que os pais ofertaram? Uma resposta exclui a outra? É provável que não.

Todos esses aspectos brotam no filme iraniano “A Separação”, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro (2012), do Globo de Ouro (2011) e do Festival de Berlim (2011), afora várias outras indicações.

O filme retrata o dilema de um casal de classe média que vive no Irã. A mãe deseja que a família resida nos EUA para que a filha adolescente disponha de melhores oportunidades de vida. O pai diverge, preferindo continuar no Irã cuidando do pai idoso que sofre de alzheimer.

A fim de resolver o impasse, e apesar de ainda se amarem, o casal resolve se divorciar. Só assim a mãe poderá viajar sozinha com a filha de acordo com a lei do país. Logo no início do filme o casal dialoga de maneira firme e equilibrada com o juiz da separação, mas resolvem deixar a decisão para a filha.

O problema é que a filha deseja que os pais permaneçam unidos, mas também compreende que nos EUA terá melhores oportunidades, além de nutrir afeto pelo avô.

No meio de todo esse turbilhão de sentimentos, principalmente para a filha adolescente que precisa lidar com uma decisão tão importante, surgem outros problemas cotidianos na vida da família.

Durante o processo de separação o casal resolve morar em casas separadas, o que leva o cônjuge a ter que contratar uma empregada para cuidar do pai e dos afazeres domésticos.

A relação patrão-empregada inicia-se conturbada em virtude de aspectos culturais da religião local. Além de estar grávida, a empregada não pediu autorização ao marido para trabalhar e nem pode tocar no idoso que necessita de sua atenção, o que a mantém em permanente tensão. Isto termina por desviar o filme do seu foco inicial (o divórcio) para mergulhar em outros assuntos delicados aos olhares ocidentais.

Neste momento o filme atinge um clímax dramático ao discutir o valor da verdade e o temor reverencial à mentira aos olhos da religião e da família. Apesar de desejarem omitir a verdade para assegurar as suas versões, os angustiados protagonistas evitam a mentira, seja por temor a um castigo divino, seja por receio de um exemplo negativo à família, mas jamais por entenderem que se trata de um comportamento moralmente equivocado (Kant adoraria esse debate).

E nisso se desenvolve o filme. Todos buscando sustentar as suas verdades por meio de omissões e meias verdades. Como se uma meia verdade não correspondesse a uma meia mentira. Como se uma omissão não representasse esconder a verdade.

Lembrando Gregório de Matos, “o todo sem a parte não é todo, a parte sem o todo não é parte, mas se a parte o faz todo, sendo parte, não se diga que é parte, sendo todo”. A verdade pura corresponde a um todo do qual não fazem parte as omissões ou as meias verdades.

Claro que não se trata do primeiro filme a abordar essas relações entre cônjuges, pais, filhos, patrões e empregados. Mas difere, por exemplo, da forma histérica e hilária como o divórcio é abordado em “A Guerra dos Roses" (1989), ou do relacionamento de proteção e remorso do filho para com o pai idoso em “Nebraska" (2013), ou da atitude irresponsável e impensada do jovem que refutou o espírito protetivo dos pais em “Into de Wild" (2007), ou ainda da relação de amizade e companheirismo entre patrão e empregado de “Conduzindo Miss Daisy" (1989).

Em “A Separação” não há nada disso, tudo é conduzido de forma bastante real e pragmática, sem emoções exageradas.

Enfim, é um filme com um enredo aparentemente simples abordando as complexas relações entre as pessoas em meio ao regime religioso iraniano, mas sem adentrar no debate sobre a “guerra santa” que a imprensa ama explorar.

Inevitável que o espectador desavisado inicie o filme com um sutil menosprezo para com o cinema iraniano. Inevitável, também, ao final, se perguntar como um filme iraniano consegue deixar sérias dúvidas sobre qual resposta dar aos questionamentos do início deste texto.

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