A Trilogia do Apartamento (parte I): Repulsa ao Sexo (Reino Unido, 1965)

Por Leonel Veloso, em CINEMA

A Trilogia do Apartamento (parte I): Repulsa ao Sexo (Reino Unido, 1965)

29 de Setembro de 2016 às 03:31

Carol Ledoux é uma bela e atraente mulher. De aparência jovial e cuidada, é muito pacata, vivendo seu cotidiano ora em casa ora em seu trabalho diário. Divide um apartamento e alguns gastos com sua irmã, sustentando-se como manicure em um salão de beleza da mais exigente nobreza. Demonstra a passagem de seus dias de maneira terna e tranquila, às vezes desatenta e dissociada. Talvez por isso chame tanta atenção por onde passa; embora, reciprocamente, tal qualidade não seja por si notada.
Ela parece, por isso, muito misteriosa. Não aceita a convivência de terceiros de uma forma mais íntima. Reserva-se, pois, à companhia de sua irmã, incomodando-se com ares pueris quando esta não acolhe as suas vontades. Passa a maior parte de seus segundos entre os contornos físicos da cama que dorme, com pensamentos ruminantes que lhe assolam a mente; fazendo-a, no fim, ficar pensando em nada.
É, de certo, uma mulher com ares muito profundos, incólumes, de difícil acesso. Por seu turno, cria ao redor de si um ambiente de intenso desejo, local este admirado por poucos, estranho a tantos outros. Ela, é bem verdade, parece retraída em seus mais primitivos mecanismos de defesa.
Talvez por isso, Carol possa ter ‘nascido’ junto à Psicanálise, quando Breuer e Freud, ainda jovens e desconhecidos, avaliavam diariamente aquele que viria ser o primeiro estudo de um caso psicanalítico: o caso de Anna O. Tal qual a última, as duas se reservavam em confidências e segredos individuais.
Isso se torna mais perceptível quando Carol, após ficar sozinha em decorrência de uma viagem da irmã, começa a adentrar em seu próprio inconsciente. Nele presente, ela passa a ouvir ruídos inexistentes, ver imagens distorcidas e aparentes, sentir fantoches voando ao desalento. Mantém-se em sua solidão uma indiferença peculiar, discordante, apavorante. Flutua em pensamentos incoerentes, perturbando-se sob as mais hostis sensações de sobrevivência. Parece, ao mesmo tempo, triste e indiferente, permitindo-lhe entrar em diversos e perigosos personagens, aversivos e conversivos aos mais reprimidos e estranhos sintomas.
Talvez a solidão a que se submeteu tenha lhe permitido tamanha incompreensão e balbúrdia. Difícil mesmo é relatar ou deixar menos obscuro o que do passado tenha feito dessa mulher o algo que é hoje. Em todo o caso, pensar sobre tais acasos torna tal experiência muito mais aterrorizante, fazendo-se questionar sobre o espaço existente entre o que é, de fato, real, e o que é fruto das mais profundas fantasias de seu inconsciente.
Carol, é bom que se frise, jamais se deixou aproximar por alguém que lhe pudesse dar prazer. Sempre reservada e plácida, como em um retrato de família antigo em que aparece dissociada dos demais, o que lhe reservou permanentemente foi o olhar distante e desconcertante, como se tivesse vivenciado situações e traumas difíceis de serem documentadas.
Por si só, prefere entreter-se em seu próprio meio solitário, desejando livrar-se das amarras inconscientes que a impedem de se dissipar, como se ‘o passado estivesse presente agora, talvez apenas desabafando confusões de sua mente’.
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