Apneia

Por Raul Lopes, em CONTOS

Apneia

07 de Setembro de 2017 às 16:28

De novo. Havia dito que aquela seria a última vez, mas sabe como é, perdi a autonomia, não existe mais o querer ou não querer.

A necessidade. Uma dessas são 2 anos de expediente (incluindo as horas extras). A equipe é a mesma, o roteiro é de fácil execução, com essa dá pra trocar de vida. É aquela mudança de cidade. Com essa da pra fugir, a mala em casa tá pronta, os três menores vão dormindo no carro, a historinha do papai fugindo dos monstros vai ganhar o ultimo capítulo.

Inspirar. É só entrar, gritar, passar a sacola e com ela o carro vai ganhando estrada, já se começa a ver a praia, depois é correr, correr...

Expirar. Liberdade e a certeza de que essa foi a última. Sim a ultima e mais nada.

Assim como de costume, da mesma forma que um nadador nos 50 metros livre, é só prender a respiração e se jogar, ao final, é soltar o ar e receber a medalha. Rodeado de primos brincando de apneia. Durante minha imersão, ficava do lado de fora d'água meus amigos e familiares esperando a subida, primeiro a testa e depois os óculos com os olhos fechados e cobertos por minha enorme franja. Ainda sem enxergar, apenas ouvia o grito: ele quebrou o recorde de novo!

"Sua vez". Rapidamente verifico os instrumentos. Tudo carregado, baixo a balaclava que me deixa apenas com os olhos à mostra. Inspiro e mergulho.

Do lado debaixo enxergo tudo meio turvo, solto um pouco de ar para aliviar os pulmões e segurar a falta do exercício da respiração, espero ansiosamente aquilo acabar. O tempo passa, incrivelmente atinjo uma resistência de imersão nunca antes experimentada, das faces bochechudas dos amigos imersos pouco consigo ver e logo desaparecem, passo a enxergar apenas suas pernas, que também começam a se esvair num nado de rã. Incrivelmente continuo sem sentir a falta de ar.

Quero expirar. Fogem as faces bochechudas, somem as pernas de rã, nem mesmo a água se move. Não consigo mais subir à superfície. Não preciso mais respirar e nado.

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