Casa Grande (Brasil, 2014)

Por Diego de Montalvão, em CINEMA

Casa Grande (Brasil, 2014)

22 de Julho de 2015 às 17:27

A atitude correta em períodos de crise, seja no âmbito individual ou coletivo, consiste em interromper a trajetória com intuito de rever impressões e demais conceitos que outrora soavam como verdades universais.

Buscar por erros e falhas do passado é essencial para evitar um novo declínio. A experiência fixa na memória, e marca na carne como quem ferra o gado, os perigos do percurso. Em nível molecular, isto se deve à plasticidade do sistema nervoso, em um processo ininterrupto de formação de novas sinapses entre neurônios que sedimentam novas informações. Acontece desde a infância, quando se entende que o fogo queima, até a vida adulta, quando a lembrança se utiliza de artifícios mais sofisticados para consolidar o aprendizado.

Perceber a experiência como algo estático é erro trivial. Aprender é processo dinâmico e exige entrega e disposição. No jargão cinematográfico, poderíamos afirmar que os acontecimentos podem até ser fotografados em determinada cena, mas para funcionar como experiência, é preciso da montagem para chegar ao produto audiovisual final, que seria a vivência como fenômeno inerente a cada indivíduo.  

Contrariando o que foi exposto acima, diz-se que o Brasil é como o vôo de uma galinha. Um salto, uma queda; outro salto, outra queda e assim sucessivamente. No alto, todos acreditamos que lá ficaremos e que o futuro nos reserva bondades. Em baixo, achamos que logo estaremos por cima novamente. 

Neste contexto de crise moral, política e econômica, Casa Grande marca a estréia de Felipe Barbosa em longas e delineia uma tendência atual do cinema brasileiro em servir de porta-voz das mazelas sociais. Movimento este que tem como representante de maior destaque até o momento O Som ao Redor, do pernambucano Kleber Mendonça, embora outros cineastas como Eduardo Coutinho e Sérgio Bianchi já tratassem desta mesma temática em seus filmes. 

Casa Grande vem para adicionar novos elementos aos problemas sociais expostos em O Som ao Redor. Se no filme pernambucano o foco era retratar, mesmo que de forma quase caricatural, a crise de valores da atual classe-média, em Casa Grande o objetivo é fazer um jogo de contraste e interesses entre as classes ricas e pobres, personificadas na relação da família do protagonista Jean (Thales Cavalcanti) com seus empregados.

Não é novidade que o homem seja um ser intolerante por natureza. Acontecimentos recentes como a ofensiva da doutrina islâmica e a cisão ideológica que cresce paulatinamente em território nacional, dividindo a nação entre o governo progressista e a oposição política, ou entre “nós” e “eles”, são terreno fértil para o aparecimento de atitudes fundamentalistas. O combate entre tais setores da sociedade engessam uma discussão que porventura levasse ao enriquecimento de idéias e que, por fim, permitisse uma revisão dos erros cometidos para construção de um futuro menos sombrio.

Mas Felipe Barbosa, em sua responsabilidade artística, tenta ao máximo se desvencilhar de qualquer vertente política para assim respeitar a linha que divide um retrato naturalista de um julgamento de valores. Retrato este ameaçado quando o diretor dá voz a argumentos pré-fabricados sobre assuntos polêmicos como, por exemplo, o sistema de cotas nas universidades ou quando simboliza os empregados da casa como vítimas do sistema, despidos da maldade e ambição que são inerentes a todas às esferas sociais.

Os pontos positivos se encontram no desenho fiel do Rio de Janeiro, a partir das cenas gravadas no interior do tradicional Colégio São Bento, onde o próprio Felipe Barbosa foi aluno, e nos recortes de bairros humildes como a Rocinha. A construção dos personagens da família também segue um padrão de verossimilhança. O destaque fica por conta do ator Marcello Novaes que personifica o patriarca que acoberta a bancarrota da família; e de Thales Cavalcanti, na figura do jovem que involuntariamente é forçado a desalienar-se devido à mudanças no seu padrão de vida.

Em suma, Casa Grande vem pra somar divagações em torno ao desatino da democracia brasileira: um país cuja identidade é algo difícil de demarcar e onde a ciclicidade dos problemas não soa como processo dinâmico, porém algo inerte, em virtude do permanente estado de crise. Talvez este momento sirva como um ponto de inflexão, uma mudança de rota, ou talvez funcione apenas como lapso de consciência, que no próximo instante se apagará da memória. E que venha logo o próximo vôo da galinha.

Voltar