Casamento Silencioso (Romênia – 2008)

Por Wilson Araújo, em CINEMA

Casamento Silencioso (Romênia – 2008)

29 de Outubro de 2014 às 14:15

Pode-se definir a vida em um estilo? Pode-se dizer que a vida de alguém é unicamente dramática, cômica, agitada, aventureira, nefasta? Será que se pode dizer ainda que todo o controle da vida está unicamente nas mãos de quem vive, numa espécie de arbítrio próprio, puro e simples, enquanto se cerca de toda sorte de gente? As pessoas vivem unicamente suas vidas?
Sabendo ou não responder a tais perguntas, o certo é que há tanto numa única pessoa quanto em todo o universo. E quando tanta complexidade se junta aos borbotões, talvez às vezes é melhor simplesmente viver que questionar.
Sêneca afirma que pequena é a parte da vida que vivemos, todo o resto é mero tempo, pouca é a vida dedicada ao útil, a si. Enquanto, talvez por natureza talvez por corrupção da alma, alguns homens gastam seu tempo em tornarem-se grandes unicamente para vomitar seu poder sobre outros, alguns apenas são felizes.
Em Crime e Castigo (Dostoievski), o personagem principal Raskólnikov defende uma tese que certos tipos de homens grandiosos não cometem crimes, pairam sobre a humanidade ordinária, ainda que só posteriormente reconhecidos e, na defesa de sua tese, compromete sua alma. Em Viagens de Gulliver (Jonathan Swift) o protagonista se espanta quando, em companhia do diminuto povo liliputiano, vê esses homens de centímetro de tamanho fazendo odes a si mesmo, pondo-se como centro do Universo.
Mas não só a literatura assusta, pelas ruas das cidades também há soberba liliputiana. Foi o homem civilizado que dizimou as populações pré-colombianas, foi o homem civilizado que poluiu os rios. É o homem civilizado que desrespeita. Sem perceber que algumas afirmações quando feitas negam automaticamente a própria afirmação. Determinadas verdades só o são sem serem ditas.
É apenas com a plena compreensão das diferenças que se completa os espaços vazios, embora muitos tentem preenche-lo com espumas frágeis travestidas de certezas. Certezas ignóbeis.
Então, ao sair da esfera da soberba, cujas paredes foscas revelam apenas imagens distorcidas e carcomidas da realidade, chegamos a um pequeno Vilarejo da Romênia, em 1953.
 

 

O tema, claro, é um casamento... e também um crime. Antes, se apresentam toda uma gama de personagens, tão diferentes entre si quanto unidos por um amor ao próximo realmente tocante.
Há padre, bêbados, inventor louco, anões, prostitutas, famílias em discussões eternas, idealistas, um conquistador, uma dama. Um casamento. Há risos, sustos, política e muita fraternidade. E simplicidade. O riso solto e bobo em cenas inocentes transporta o espectador, invariavelmente, a este cenário.
Em meio ao turbilhão da Guerra Fria e seus horrores, disputas nucleares, espaciais, caça às bruxas, golpes ditatoriais, controles de mercado, exploração de países pobres, revoluções na música, nas roupas, nos costumes, debates acirrados, ascensão e queda, buscar por riquezas, poder, Poder, PODER... esses homens e mulheres só querem comemorar um casamento.
Dedicam-se ao labor e a si mesmos. Assim, que teriam a ver com a morte de um homem que não conheciam,  nunca os viu ou fez nada por eles? Não importa, há os que mandam e jamais sorriem e há os que riem. 
 

 

Riem sem propriamente rir. O riso não está na gargalhada, como a bondade não está na subserviência. Por isso, como Sêneca ensinou, mais vale de fato viver, ainda que pouco tempo, que passar todo o tempo apenas o perdendo.

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