Cinzas de uma quarta feira

Por Márcio Barros, em CRÔNICA

Cinzas de uma quarta feira

24 de Fevereiro de 2016 às 22:15

Às oito e meia, tomando o habitual primeiro copo de café da manhã e já vencidas as últimas batalhas contra o entorpecimento, uma mensagem treme no celular : "Quarta-feira, happy hour mais tarde! Bar de sempre! Fechado?" -"Fechado" - Respondi! "Quando vier, passa no posto e traz um lucky Strike azul!" "ok!" repliquei. Era um velho amigo, companheiro de copo e de cruz, recitando o velho mantra, repetido toda quarta, religiosamente.

Havíamos convencionado de nos encontrar às quartas-feiras, pois, era o dia em que já se esquecia a ressaca do fim de semana anterior e se criava um atalho de dois dias para o seguinte. Um artifício engenhoso utilizado para folgar as rígidas amarras do cotidiano.

Ao fim do expediente, já de posse do lucky Strike Azul,  chego ao bar de sempre. Um bar "pé sujo" mas bem acolhedor, como uma rede estendida numa varanda depois do almoço. Os mesmos amigos de sempre, sentados praticamente à mesma mesa, já tagarelavam como de habitual. Junto-me ao  time, tomo o primeiro gole de cerveja e logo saem as primeiras baforadas do Lucky Strike. Apesar de não fumar, sinto o relaxamento dos que o tragam.  Depois de um início de semana cheio de turbulências, era disso que precisava. As quartas feiras são minha nicotina.

Na mesa estão 7 amigos que, além de dividirem o mesmo espaço entre rios, têm vários interesses comuns. E as  conversas refletem bem isso. No meio do caos aparente, o turbilhão de ideias flui tranquilo, orquestrado ao acaso por uma deixa de alguém ou por  uma das músicas tocadas aleatoriamente no som Bose devidamente instalado na mesa.

E, em meio a observações vagas sobre os rumos da política nacional, a atual civilização do espetáculo, o último filme de Gaspar Noé, a obra de Gabriel García Marques, James Joyce etc. submergem, aqui e ali sensações particularíssimas, angústias, expectativas, medos e ressentimentos já devidamente calibrados etilicamente.

As horas passam assustadoramente rápidas. Alguns amigos já se despedem. outros se preparam. De repente toca uma música bela e triste. Pergunto ao amigo do lado que música era aquela. Este me responde com a autoridade que lhe é particular: "Pra dizer adeus" de Edu Lobo e Torquato Neto. Então, uma cortante brisa fria sopra, improvável. - Hora de ir, diz um outro já se preparando para acender o último cigarro. Já era perto de meia noite. Tomamos a saideira e nos despedimos da quarta feira que se encerrava como as cinzas do último Lucky Strike azul.

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