CONTOS DE BEIRA DE ESTRADA - TÉCNICAS

Por Wilson Araújo, em CONTOS

CONTOS DE BEIRA DE ESTRADA - TÉCNICAS

24 de Dezembro de 2020 às 02:21

O primeiro sintoma que eu iria começar a dormir era a sensação de imenso relaxamento. O corpo se soltava no banco, a cabeça pra trás, a perna esquerda perdia a força e apenas o peso da bota pressionava do acelerador. Nessa parte eu sentia uma espécie daquele prazer de quem chegou em casa morto, banhou e se jogou na cama, com o quarto pré resfriado pelo ar-condicionado.

 

Depois vinham as crescentes “pescadas”, embaladas pela maravilhosa música do pneu no asfalto. Daqui, se eu não despertasse de vez, vinha a terceira etapa: a alucinação. Bom, não alucinações exatamente, mas quando eu via as árvores de longe e via cães, pessoas, braços, formas diversas, eu sabia que estava já etapa dos sonhos, projetando na semiconsciência que meus olhos ainda enxergavam as imagens oníricas da mente.

Nesse momento não havia mais o que fazer, era estacionar o carro no acostamento e tirar um cochilo. Simples, hã? Nem tanto. O fato frear o carro, interromper o som divino dos pneus no asfalto e quebrar o ritmo uniforme da velocidade em movimentos decrescente era antídoto imediato ao sono. Então, quase sempre, assim que o carro parava, o sono era desperto. Apenas para voltar tudo de novo nos 10 minutos seguintes à arrancada do carro. Outra dificuldade era achar uma boa sombra, no semiárido do interior do estado.

Assim, era parar o carro, descer o banco, baixar o volume do som e esperar o sono voltar de novo, que invariavelmente chegava. Desfrutar daqueles 15-20 min de sono profundo e pegar a estrada de volta.

Pois que nesse dia, logo na primeira alucinação decidi parar. Havia uma serra logo à frente e ali não era bom lugar para ver uma ponte numa curva.

Mas o fato é que o sono veio profundo e demorou como num piscar de olhos. O meu susto, ao acordar, foi não ver o carro, nem a estrada, nem minhas roupas, nem céu, sol, noite, lua, nada. Só uma luz branca pesada em cima de mim. Imediatamente pensei que fosse a lanterna de algum guarda rodoviário, como acontecera outras vezes, curioso de um carro parado no acostamento.

Mas quando escutei, ao longe, vozes diversas agradecendo a Deus e aos céus, também senti as primeiras dores. Senti a agulha na veia, os eletrodos no peito, o cheiro de água sanitária nos lençóis e o gosto de sangue seco na boca. Daí fui entendendo o que tinha acontecido. E me contaram onde fui encontrado.

Minha primeira alucinação foi a sombra da árvore onde quis parar, que era a primeira curva da serra. Despenquei dezenas e mais dezenas de metros. Me disseram que minha sorte foi que duas árvores amorteceram as quedas, que se tivesse caído daquela altura de uma vez, não tinha sobrado história. E que ter conseguido salvar a perna esquerda acima do joelho, isso sim, foi quase um milagre.

 

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