Dançando no Escuro (Dinamarca, 2000)

Por Wilson Araújo, em CINEMA

Dançando no Escuro (Dinamarca, 2000)

24 de Setembro de 2014 às 07:01

 "Nenhum homem sabe quão mau ele é, até que ele tenha tentado de toda maneira ser bom.
(C.S. Lewis) 
 
... não nos deixei cair em tentação...

 

Existe o Bem e existe o Mal. E no meio, a alma humana.
Pode-se dizer ainda, sem medo, mas de certa forma grosseira, que a principal arma do Bem é o sacrifício, enquanto o Mal é especialista na tentação. Deus nos dá percalços, chagas e sofrimentos para alcançar a glória, o diabo nos dá o atalho.
Engana-se quem pensa que o diabo nos tenta a fazer a coisa errada, seria muito fácil. A perdição completa, a excrescência moral, a consumação profana é perder a possibilidade de ser valoroso a Deus. A tentação se dá de acordo com o caráter, a personalidade, é quando o diabo entra fundo na alma do homem e o atinge onde ele é mais vulnerável, oferece o conforto, o caminho de errôneo julgo merecido, oferece o paraíso. Assim, quando o homem conquista o que deveria conquistar, não por seus sacrifícios, mas por atalhos, caiu nas mãos do diabo. O errado, na Palavra, jamais pode ser certo. Por isso, todos os que sucumbem rápido demais nem sequer conhecem a tentação, tornando necessário, mais uma vez, as palavras de C.S. Lewis: “... Esta é a razão pela qual as pessoas ruins, de certa forma, sabem muito pouco sobre sua maldade.” Por conseguinte, só conhece a verdadeira tentação, aquele que resiste a ela.
No outro ponto, como deveria ser, está o sacrifício, evidentemente o total oposto. Enquanto não se sabe que está sendo tentado e se cai na tentação, o sacrifício foi anunciado, mas poucos o suportam, apenas os dignos.
 
 
E, por fim, encontram-se entre os homens, os agentes da ordem e do caos, cada um com suas atribuições.
Esse é o tabuleiro onde acontece Dançando no Escuro. Não que haja pretensão de ser sacro ou profano, mas Lars Von Trier adentra tanto nos calabouços da alma humana, explorando e desbravando o que há de pior e subversivo, que se torna impossível não perceber o simbolismo da dualidade universal e seus emaranhados. Ao longo do filme as personagens desenvolvem tanto suas características fundamentais que bem poderiam ser a própria personificação do sentimento que emanam.
Selma (Björk) é uma mulher doce e sonhadora, que adora música, odeia final de filmes e devaneia com o menor dos ruídos, se transportando ao mundo colorido dos musicais que não pode mais ver. Selma tem um problema sério de visão e está ficando cega, mas esconde esse fato de todos, exceto de sua amiga Kathy (Catherine Deneuve). Seu filho tem a mesma doença e por ele ela se sacrifica no trabalho e na vida para arrecadar dinheiro para operá-lo.
Selma está cercada, inicialmente, por diversas pessoas que a amam, apoiam e lhe dão suporte em situações diversas de sua vida. 
 
 
Quando a cegueira de Selma se agrava, os acontecimentos seguintes a levam em espiral descendente, exigindo de si uma força de vontade sobre-humana. É neste ponto que as personagens começam a se decantar, em cada uma aflorando o caráter que lhe é intrínseco, culminando em vários pontos chaves que revelam não só a vontade de cada um, como as consequências de seus atos.

 

 

Enquanto uns carcomem-se de tentações, remorsos, divididos entre o caminho aparentemente mais fácil e a verdade, para outros bastou que uma dúvida fosse semeada para que optassem pelo atalho à compreensão, em nome de um ideário. Os destinos das personagens (se é que se pode falar em destino) são bem mais profundos do que parece, independentemente do tempo que aparecem na película. O filme trabalha magistralmente este aspecto, como um retrato irônico da auto enganação. Ao espalhar atos e responsabilidades de forma não homogênea, não linear e tampouco identificar sentimentos em gestos, cores e aparências, o filme nos dá uma certeza que talvez não exista, ao contrário, entrega ao público (como fosse ele o alvo) a responsabilidade de compreender onde estão as Virtudes e as Tentações. Afinal, fosse fácil onde estaria o Valor?
Supreendentemente (ou não) há Amor na história, mesmo quando incompreendido e machucado. Na Grécia antiga, algumas crenças punham o Amor como o mais velho de todos os deuses, todavia, eternamente criança. O Amor só poderia crescer na presença de Anteros (personificação do amor compartilhado). Sem esse companheiro, o Amor era um pra sempre efebo cruel e vingativo. É o Amor ferido, mas puro, qual Cupido queimado por Psique.
Assim, descendo ao fundo do poço do sofrimento, Selma deve provar ser digna, enquanto uns seguem-na e outros fazem o acham que deveria ser feito.  
 
No filme encontram-se todas estas figuras: aquele que se submete ao sacrifício (ou o sacrifício), o que resistiu à tentação, o(s) tentado(s), o amor, o(s) agente(s) do caos e o(s) anjo(s). Cabe obviamente ao espectador encontrá-los, entendê-los e acima de tudo buscar no fundo do próprio ego, qual deles está sendo neste momento.

Este post foi idealizado e elaborado por Entrerios e Wilson Araújo (colaborador).

 

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