E a bola escolheu a França

Por Gustavo Vidigal, em CRÔNICA

E a bola escolheu a França

23 de Janeiro de 2023 às 14:22

Em junho de 1986 eu era um garoto de 10 anos, ansioso para acompanhar uma Copa do Mundo. A copa da Espanha, em 82, só me lembro do mascote Naranjito a da camisa amarela do Brasil – com a Jules Rimet estampada no escudo da CBF – que ganhei da minha madrinha. A segunda Copa realizada no México era, de fato, o início do meu fascínio por mundiais da FIFA.

A Copa de 1986 seria disputada na Colômbia. Porém, os graves problemas econômicos deste país impediram os colombianos de sediarem do torneio. Então, o Mundial foi aceito, novamente, pelo México após convite da FIFA.

Havia uma novidade para os telespectadores teresinenses naquele torneio: poderíamos escolher assistir aos jogos na Globo ou na Bandeirantes, inaugurada meses antes como TV Pioneira de Teresina. Assistíamos às partidas do Brasil nas casas de amigos dos meus pais. Era uma festa, pois os filhos desses amigos eram os meus amigos também.

O jogo do dia 21 de junho de 1986 não foi diferente. Por ironia do destino, o anfitrião da vez se chamava Napoleão, o boa-praça Napoleãozin, que morava numa bela casa da Avenida Presidente Kennedy. O Brasil iniciou melhor e perdeu uma ótima chance aos 14 minutos... aí faltou luz na casa do Napoleãozin, que rapidamente providenciou um radinho de pilha para não perdermos nenhum lance. Foi nas ondas do rádio que ouvimos o gol do Careca. Brasil 1x0. Tivemos a chance de matar o jogo com o chute do Müller que explodiu na trave. Mas, após o quarto ataque armado pelo jogador Amoros, a bola caiu limpinha nos pés de Platini, que empatou para a França.

Intervalo de jogo e, enquanto alguns saíram desesperados à procura de TV que estivesse ligada, a energia elétrica voltou antes do reinício da partida. O segundo tempo foi eletrizante, com os times saindo para o ataque e, mais uma vez, a trave foi inimiga do Brasil, ao “defender” uma cabeçada do Careca. Aos 28 minutos, zico (que entrara no minuto anterior) tocou uma primorosa bola para Branco, que foi derrubado na área. Pênalti! Festa da torcida! Parecia que o jogo seria liquidado ali. Parecia... Zico foi o encarregado pela cobrança, mas a bola preferiu ir para os braços do goleiro Bats. Nesse momento, meu pai, que era um contido professor universitário, soltou todos os palavrões possíveis (e impossíveis). A orelha do Galinho de Quintino deve ter fervido em Guadalajara.

O Brasil não se entregou, mas a França cresceu nos minutos finais. Haja emoção! Fim do tempo regulamentar. O Brasil, desde 1954, de novo estava numa prorrogação de Copa. As equipes não diminuíram o ritmo e o gol poderia sair a qualquer hora. A bola, porém, escolheu o caminho dos pênaltis. Coube ao Sócrates iniciar as cobranças, mas Bats defendeu fraco remate do doutor. A França fez 1 a 0 por por Stopyra. Nas cobranças seguintes, as duas seleções marcaram - na terceira cobrança francesa, de Bellone, a bola bateu na trave (de novo ela!) e nas costas do goleiro Carlos antes de entrar. Branco converteu, mas Platini desperdiçou. Em seguida, Júlio César chutou na trave (pela vez derradeira) de Bats. Fernandez confirmou a classificação Francesa. Desolação total.

Ao fim da triste batalha, saímos da casa do Napoleão em silêncio. Dentro do carro, meu pai começou a chorar. Nunca o vi daquele jeito. Chegamos em casa e, envergonhado, guardei a bandeira do Brasil. À noite, o saudoso Fernando Vanucci, no Jornal Nacional, assim descreveu: “... e a bola escolheu a França, não adianta perguntar por quê. Ela (a bola) é encantadora, feminina, é mulher, livre e caprichosa e não presta conta de seus atos para ninguém. Não adianta perguntar por quê. Não adianta”.

Acho que meu pai, apesar de não guardar mágoa, não perdoou o Zico. Hoje, passadas mais de três décadas, entendo que não há motivo para rancor, são coisas do esporte. Há poucos dias, o acaso me pregou uma peça: encontrei o Zico, conversei brevemente com ele e pedi-lhe uma foto. Ao final, disse-lhe “Deus te abençoe, Zico”. A vida consegue ser mais caprichosa que a bola...

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