
11 de Junho de 2025 às 20:28
Era 1981 quando Ella Fitzgerald, a Primeira Dama da Canção, resolveu atravessar o Atlântico sonoro e se debruçar sobre as harmonias solares do maestro brasileiro mais internacional de todos: Antônio Carlos Jobim. Nascia então Ella Abraça Jobim, um álbum que é ao mesmo tempo tributo, experimento e delicadeza pura — daqueles encontros que só a música é capaz de costurar, com fios de afeto e respeito mútuo.
Tom Jobim não participou da gravação. Ao contrário do que muitos pensam ao ler o título, não se trata de um dueto ou parceria direta. O que temos é Ella Fitzgerald dedicando-se inteiramente ao repertório do compositor carioca, numa homenagem sofisticada e afetuosa — uma espécie de abraço musical de longe, mas nem por isso menos caloroso.
A produção ficou por conta de Norman Granz, mentor de longa data de Ella e um dos grandes nomes da história da indústria fonográfica. Granz foi quem criou a série “Songbook”, em que Ella interpreta os grandes compositores americanos como Cole Porter, Gershwin e Rodgers & Hart. Quando chegou a vez de Jobim, a proposta era clara: apresentar o brasileiro como parte do panteão dos grandes compositores do século XX — e com razão.
Os arranjos do disco são obra de Erich Bulling, argentino radicado nos EUA, que buscou preservar a leveza da bossa nova sem abrir mão da sofisticação do jazz. A sonoridade do álbum é limpa, refinada e quase etérea. Há violões, percussão sutil, toques de flauta — mas tudo é moldado para que a voz de Ella seja o centro do universo. E que voz.
Ella, àquela altura da carreira, já não era mais a mesma jovem de improvisos acrobáticos e scat acelerado. Mas havia nela uma maturidade interpretativa que conferia nova vida às composições de Tom. Canções como Desafinado, Wave, Águas de Março, Corcovado e How Insensitive (versão inglesa de Insensatez) ganham com Ella um sotaque estrangeiro cheio de ternura, como quem pisa devagar num chão que não é seu, mas quer aprender a habitar.
Uma curiosidade saborosa: em um dos takes iniciais de "Wave", conta-se que Ella parou a gravação e riu: "Tom escreveu isso para deixar a gente sem fôlego, não foi?". Talvez seja essa a magia do disco: Ella, com seu humor e humildade, navegando nas ondas de Jobim — não como uma estrangeira, mas como uma viajante que encontrou, em acordes brasileiros, um novo lar.
O álbum não teve um grande impacto comercial à época de seu lançamento. A crítica, dividida, elogiou a beleza dos arranjos e a coragem de Ella, mas também apontou certa frieza, talvez pela ausência do próprio Jobim. Ainda assim, com o passar dos anos, Ella Abraça Jobim foi sendo redescoberto como um gesto raro de reconhecimento: uma das maiores vozes do jazz estendendo a mão para um compositor brasileiro, e o fazendo com carinho, respeito e suavidade.
É um disco de travessia. Não apenas entre idiomas e estilos, mas entre artistas que talvez nunca tenham dividido um estúdio, mas compartilharam a mesma fé: a de que a música, quando sincera, atravessa fronteiras sem passaporte.
Ella não foi a primeira nem a única a cantar Jobim. Mas foi talvez quem o fez com mais graça — como quem abraça com a voz, sem fazer alarde, mas deixando a marca do calor.
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