EXTRACAMPO: Prato do dia

Por Raul Lopes, em CRÔNICA

EXTRACAMPO: Prato do dia

19 de Agosto de 2015 às 17:45

Há dois anos visito São Paulo regularmente e durante essas visitas acabo ficando em locais diferentes da cidade, até gosto porque acabo conhecendo várias cidades dentro da própria São Paulo. Desta vez estou na Vila Clementino, no apartamento de um amigo na rua Arabé, uma rua pequena (quase uma travessa) e bastante tranquila.

Aqui em São Paulo é bem diferente de onde eu moro e uma das coisas que mais me chama atenção é a praticidade. Esse contrassenso é interessante, como enxergar uma praticidade em São Paulo que não existe numa cidade pequena como Teresina? Explico.

Um ponto comum dos bairros que já fiquei por aqui (Indianópolis, Jardins, Barra Funda, Moema, Cerqueira César, Consolação, Perdizes, Vila Clementino, Bela Vista ...) é que basta botar a cara fora de casa e estais a um palmo de tudo que precisa, seja uma farmácia, curso de inglês, boteco, oficina, padarias (essa é a única no plural), supermercado, japonês (é como eles chamam um restaurante de comida japonesa), shopping center, metrô (as vezes nem tão próximo), pet shop e por aí vai...

Nessa temporada de agosto tenho o objetivo escrever um artigo científico para o doutorado e, com costume, iniciei minhas pesquisas as 8h e segui por toda manhã. Numa quarta feira, cumprido o protocolo matinal, resolvi suspender os estudos e procurar um lugar para almoçar. Queria um daqueles lugares que oferecem comida honesta e, pela experiência, costumo detectar esses lugares observando as calçadas, quanto menos transitável mais me aproximo do alvo. Digo isso porque a maioria dos restaurantes colocam suas mesas na calçada, claro, não com os cafés de Paris, seria uma espécie de “café carioca” (um café de Paris com cara de boteco carioca).

Em comum? Todos possuem comida farta, na maioria, servida em guarnições, o feijão vem sempre separado e segue acompanhado do arroz, um suculento bife acebolado (ovo é opcional) e a tira colo, aquela clássica salada de alface, tomate e cebola crua em rodelas, isso é honesto.

Depois de uma rápida prospectada, decidi por um que oferecia o cardápio na porta com preços atrativos, era um da fachada verde (Leonel, como que é o nome de lá mesmo?).

Seguindo conselho de meu pai, quando se oferece o prato do dia nem pense em escolher outro, o restaurante está preparado para o prato do dia, os alimentos estão mais frescos e não demora a ser servido. Dentre as quatro opções do dia escolhi o “Filé Sant Peter Grelhado”. Não optei pelo ponto do filé, se era bem, ao ponto ou mal passado, deixei a casa escolher.

Antes de sair do apartamento acabei por pegar emprestado o Caderno 2 do Jornal Estado do São Paulo para enganar a fome enquanto esperava o prato. Sempre começo pelos cadernos culturais e sigo direto para as criticas dos filmes. Na página quatro fui apresentado a um filme cubano chamado: Venecia e logo no segundo parágrafo do texto o crítico atira essa: “Venecia foi recebido com simpatia, mas não empolgou a crítica. Não é esteticamente ousado quanto o colombiano Ella, de Libia Stella Goméz-Diaz, mas é muito bom”. Antes que meu filé chegasse pensei no que seria um filme esteticamente bom, e qual a importância da estética no resultado final de um filme.

Penso que o apareço por um filme se deve a mistura e, mais especificamente, a dosagem de dois elementos: estética e roteiro. Alguns podem valorizar o roteiro, simplesmente por contar uma bela história, outros só consideram ricos aqueles que capricham na estética, quanto mais exagerado melhor.

Não vejo por ai. É bem verdade que a estética está mais associada a filmes alternativos e/ou experimentais, aquilo que foge ao padrão comum, foge daquilo que estamos mais habituados. É bem verdade que diariamente somos apresentados a uma linguagem cinematográfica e televisiva bastante acessível, mas não é pela falta do hábito que se deve sobrevalorizar a estética.

Será que esse filme cubano, obrigatoriamente, deveria ser ousado esteticamente como exige o crítico? Já o colombiano, que ousou esteticamente, põe uma cabeça de vantagem sobre o cubano antes mesmo de comprar o ingresso? Acredito que a fórmula perfeita para mistura de estética e roteiro não existe, essa alquimia se utiliza de porções milimétricas de cada um desses elementos, por isso, a mão do diretor, do roteirista, do ator, do figurinista, do fotografo, do iluminador, do continuísta .... são determinantes para que se atinja a fórmula perfeita.

E mais (antes que o prato chegue), não existe uma relação de proporcionalidade entre a estética e o enredo. O que quero dizer é que se uma produção é esteticamente rica, não implica dizer que deva possuir uma trama complexa, um roteiro confuso como se fosse um complemento estético obrigatório (Jauja é prova disso).

Antes que pudesse continuar a ler a crítica do periódico, o meu prato do dia aporta. Um prato farto como imaginava. Uma guarnição separada com feijão e num prato maior o arroz com purê de batatas, mas o suculento filé acebolado que esperava vir, não veio, na verdade veio, mas não era um filé de carne, era um filé de peixe, um filé de peixe ao molho de peixe. Sem problema, me adapto. Finalizei, matei quem estava me matando, comprei duas garrafas d’água e fui pra casa escrever essa crônica pensando no verdadeiro valor da estética dos filmes de Godard.

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