Galileu Galilei (São Paulo, 2016)

Por Leandro Lages, em OPINIÃO

Galileu Galilei (São Paulo, 2016)

10 de Fevereiro de 2016 às 22:10

Hoje, 10/02/2016, quarta-feira de cinzas, inicia para a igreja católica a Quaresma, período destinado à reflexão sobre nossas condutas passadas, modo de viver presente e comportamentos futuros, tudo com o objetivo de alinhar a vida à fé cristã.

A própria igreja católica costuma adotar períodos de reflexão sobre as suas atitudes passadas e as consequentes repercussões para o futuro. Em dezembro de 2015, por exemplo, o Vaticano revogou uma decisão de 1891 que baniu da igreja o Padre Cícero Romão, proibindo-o de celebrar missas.

Líder religioso no sertão do Cariri, o padre arregimentou fiéis por seu trabalho e dedicação ao sacerdócio. Os milagres realizados mereceram repúdio do Vaticano, que o proibiu de celebrar missas. Apesar disso, a devoção ao padre cresceu de forma messiânica transformando Juazeiro do Norte-CE em uma grande Meca nordestina.

O ato do Vaticano de retirar a punição imposta ao Padre Cícero não só abre caminho para a sua beatificação, mas também agrada uma legião de devotos que nunca “obedeceu” a decisão da igreja católica, possibilitando uma reconciliação com os fiéis.

Assim como o Padre Cícero no sertão do Cariri, também Galileu Galilei, na Itália do século 17, padeceu de um reconhecimento tardio de suas verdades cientificamente demonstradas, mas que contrariavam os ensinamentos impostos pela igreja católica.

Em 1610, Galileu comprovou a afirmação de Nicolau Copérnico que em 1537 declarou que o planeta Terra não era o centro do universo, mas se movia em torno do sol.

Seu observatório em Veneza no alto do Campanário da Praça de San Marco permanece aberto a visitações e em Florença, onde continuou suas pesquisas, há um museu em sua homenagem.

Também em sua homenagem, o dramaturgo alemão Bertolt Brecht escreveu uma peça de teatro em 1943, em cartaz no Teatro da PUC-SP - carinhosamente chamado de TUCA – tendo à frente Denise Fraga em sublime incorporação do próprio Galileu.

A peça retrata de forma humorada e sarcástica as primeiras descobertas de Galileu sobre o movimento dos astros em Veneza, passando pela divulgação dos seus estudos em Florença, o seu julgamento perante o Vaticano e o exílio vigiado em 1633. As quase 2:30 de duração da peça fluem de maneira imperceptível.

As descobertas de Galileu colidiram diretamente com a interpretação bíblica da época. Encontrou resistência não só da própria igreja, mas também da comunidade científica e por várias vezes teve que responder a questionamentos capciosos como, “onde está Deus nesse novo mapa celestial que você idealizou?”

Galileu passou a divulgar seus estudos e conclusões em linguagem popular e didática a fim de que todos pudessem compreender. Evitou escrever em latim, o padrão da época, língua acessível a poucos e que restringia o acesso ao conhecimento.

Apesar das verdades irrefutáveis, foi chamado ao Vaticano. Representava uma ameaça à interpretação bíblica sobre o universo. Colocado diante das ferramentas de tortura utilizadas pela Inquisição, retrocedeu e negou tudo o que havia divulgado. Permaneceu em exílio domiciliar vigiado até o fim de seus dias, proibido de continuar seus estudos.

Questionado por seu aprendiz sobre a razão de não ter assumido uma postura heroica morrendo pela verdade científica, admitiu tranquilamente o pavor pela dor que sentiria na tortura e o medo de morrer na fogueira. Dessolado, o aprendiz conclui “infeliz a terra que não tem heróis”, ao que Galileu retruca: “infeliz a terra que precisa de heróis”.

Em 1992, a Igreja Católica volta atrás e admite a veracidade dos estudos de Galileu. Seria inútil resistir às verdades cada vez mais confirmadas e impossíveis de refutar. Assim como o Padre Cícero no sertão do Cariri, Galileu obteve um reconhecimento póstumo de sua luta pela verdade.

Lembrando o medo de Galileu frente à Inquisição, cabe refletir durante a Quaresma: o gesto da igreja de retroceder diante dos imperativos retilíneos da roda do tempo e da verdade representa o reconhecimento humilde e sincero de um erro ou o receio de ser fustigada pelas consequências negativas de sua recalcitrância?

Voltar