Guardia - Parte ( Brasil, 2018)

Por Diego de Montalvão, em MÚSICA

Guardia - Parte ( Brasil, 2018)

20 de Setembro de 2018 às 00:40

Após 3 anos sem notícia do Guardia, finalmente me deparo com o terceiro álbum da banda. O lançamento sem alarde me confirma que ando acostumado e satisfeito com a discrição de seus componentes. Eles são assim, lançam música e somem, deixando boas lembranças, tão fortes a personalidade e o lirismo da banda.

Mesmo com poucas informações disponíveis, garimpo e confirmo que o trabalho é mais um fruto da parceria de Jan Pablo e Joniel Veras, piauienses desterrados, que não param de produzir e dar vazão e universalidade ao que têm de mais sincero em seus sentimentos.

Digo isso porque escutar suas composições é lidar com o que temos de precioso, diga-se pessoal, em nossa intimidade.

Ao iniciar por “Embora”, sentimos o tom que norteará a obra. O que parece ser uma letra pessimista, para mim soa como uma urgência de viver as coisas deste mundo. Não há niilismo na letra, apenas uma saudável negação que traz a necessidade de experimentar e resolver tudo neste lado.

Seguindo, temos uma das melhores do álbum. “Sem título” talvez confirme minha ideia sobre “Embora”. A letra me remete à teoria do absurdo, mais especificamente, ao Mito de Sísifo, de Albert Camus. Não sei se Joniel Veras e Tiago E.  o leram, o que não importa, pois Guardia soube comportar em versos a psicodelia que ronda a atualidade, que nada mais é do que uma reprodução do absurdo de nossa existência lançada ao mundo, que desafia a todo instante nossos sentidos e certezas.

Com mais dinâmica, “Riqueza” tem uma bela poesia sobra as diferenças de um casal. “Ciao”, se pensarmos em cinema, seria uma Road Music e “Caixa do Adeus”, a mais comercial, a história de um belo relacionamento que findou, mas ainda rica em nostalgia.     

A cosmopolita “Endless Winter” e a saudosa “Photobook” inauguram uma vertente antes desconhecida, quando Veras compõe em inglês. Deve-se notar a ironia em strange like a brazilian song in english, embora não haja nada de estranho, pois as duas canções são belas. Até mesmo quando words doesn’t matter here, a sensibilidade musical faz as vezes da racionalidade e capta o sentimento pretendido pelo artista.  

“Bas Jan Ader” talvez seja a melhor do álbum, assim como “Silêncio” e “Cores” , que abusam de sinestesia, sem deixar a poética em segundo plano. Por fim, “Pra ser ninguém” é, com toda licença, uma atualização estéril de “Um rapaz latino-americano” de Belchior que, embora remeta à terra quente, me deixou um pouco desapontado ao lembrar as referências de  “Parasoul” e “Melvin Jones”, ambas do primeiro álbum.

É notório que a centralização criativa na dupla trouxe êxito, o que é natural com o aperfeiçoamento na forma de compor de Jan Pablo, que gravou todos os instrumentos, e de Joniel Veras, que cantou todas as músicas. Por fim, este álbum mostra um Guardia mais orgânico que, embora tenha deixado os elementos eletrônicos de lado, não interrompeu suas experimentações para trilhar sua história com personalidade e talento de sobras.    

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