Instagram, Machado e a Teoria do Medalhão

Por Diego de Montalvão, em OPINIÃO

Instagram, Machado e a Teoria do Medalhão

01 de Setembro de 2018 às 00:21

Às vezes ou, evitando dizer, tantas outras, me vem aquela sensação de que o mundo evolui tão rápido que não consigo acompanhá-lo.  Alguns enxergam fraqueza da minha parte, outros apenas rebeldia; eu, conhecedor de minha personalidade obsessiva-compulsiva, digo que já estou acostumado com ambas observações. Diante do diagnóstico, creio que sou um caso perdido - até sem prognóstico - que enfim o que me resta é o refúgio dos livros, que nada mais é do que a necessidade de um tempo de reflexão ou de um solitário momento para me adaptar ao novo e lábil terreno da hiperinformatividade.

E assim, vagando diariamente por papiros, textos e crônicas, eis que acho conforto para minha angústia na Teoria do Medalhão, um texto curto que Machado de Assis publicou na gazeta de notícias em 1881.

Explico. O tal escrito do fundador da ABL narra a conversa entre pai e filho, quando este alcança a maioridade, portanto 21 anos à época, para fazer um irônico retrato do modus vivendi do século XIX. Divagar sobre a ironia na qual Machado retrata a sociedade carioca de idos anos me trouxe indícios para entender a dinâmica das redes sociais. Estas, que já as considero como entidades, devido a tamanha influência que exercem em nossas rotina, ao tempo em que ditam tendências, aproximam os iguais e exacerbam diferenças; mas que por fim, levam a um único caminho:  informação disfarçada de entretenimento.

De antemão, deixo claro que a trivialidade é um traço importante do ser humano. Eu, pai de uma criança de 1 ano e de um dócil cachorrinho, não me canso de admirar a pureza dos castos. Entretanto, algo me diz que o que se passa não é obra de inocentes. Pelo contrário, é algo  bem sofisticado e que vem se tornando um negócio lucrativo para alguns.

Ouso dizer que, em meio a delícia de se viver em um mundo conectado, é importante lembrar que todo remédio também tem efeitos colaterais, ou como dizia um antigo professor, tudo que acontece na vida tem o lado ruim e o lado bom. Com as redes sociais não poderia ser diferente.

O que tem verdadeiramente me causado espanto é o aparecimento das “figuras públicas”, pessoas que se destacam em meio às sobras de “anônimos” que tentam a todo custo se projetar socialmente, mesmo não tendo nada de original ou de importante a acrescentar.

É justamente neste ponto em que há a ligação entre o texto de Machado e as redes sociais. No jargão Machadiano, tais figuras seriam os denominados medalhões, termo brilhantemente criado pelo escritor para designar os indivíduos da época que viviam de acordo com sua posição na sociedade, quando as aparências eram mais valorizadas que a essência. Convém destacar todo talento do escritor em desnudar com sutileza tal caráter.

Divagando rapidamente sobre o texto, o que parece ser uma simples sessão de aconselhamento de pai para filho, logo se torna uma imposição que, segundo o almanaque do velho, ajudaria o jovem a sobreviver à “enorme loteria”, onde “os prêmios são poucos e os malogrados, inúmeros”.

Fazendo um paralelo com as mídias sociais, onde todos se “vendem” como produto da moda, se esforçando para soar de maneira original, Machado pauta os argumentos do pai na aniquilação do livre-pensar do filho, quando diz que “uma vez entrado na carreira, deve pôr todo o cuidado nas ideias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio” e que o “melhor é não as teres absolutamente”, devendo o filho seguir o pensamento comum da época.

Machado vai além, quando reflete com cinismo o pensamento do pai, que tenta apresentar um manual de sobrevivência pré-fabricado, para que o filho saiba o “gesto perfilado e correto com que usas expender francamente as simpatias ou antipatias", visando informá-lo sobre o que é necessário saber para circular e ser aceitos nas castas mais elevadas da sociedade. Fazendo um comparativo com os tempos atuais, Machado preveu há mais de cem anos, que se o indivíduo não se adéqua à tendência, não terá muitos "seguidores" e, consequentemente, será um fracasso nas “curtidas”.

Mais verossímil é a maneira a qual Machado divaga sobre a publicidade: “Longe de inventar um Tratado Científico da Criação dos Carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos seus concidadãos. Uma notícia traz outra: cinco, dez, vinte vezes põem o teu nome ante os olhos do mundo.”               

Sem pretender esgotar o conteúdo de Machado, o que é impossível devido a sua vasta compilação de ideias e ao seu conhecimento filosófico, a teoria do medalhão poderia bem ser denominada a teoria da mediocridade, que reflete fielmente nossa era das mídias digitais, em que a maioria almeja ascender socialmente a qualquer custo, mesmo sem nada a dizer além do trivial. 

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