Interestelar (EUA, 2014)

Por Leandro Lages, em CINEMA

Interestelar (EUA, 2014)

19 de Novembro de 2014 às 12:58

“Can you hear me, Major Tom?”
David Bowie – Space Oddity

 

Na música Space Oddity, David Bowie fala de uma odisseia espacial empreendida pelo astronauta Major Tom. No momento de retornar à Terra ele informa à base terrestre que prefere continuar vivendo na calmaria do espaço.

Apesar da família que o espera e da grande celebridade que poderá se tornar, Major Tom se despede da esposa e mergulha no infinito espacial refletindo: “There’s nothing I can do”, enquanto seus companheiros na Terra insistem, sem sucesso, na comunicação com o astronauta repetindo várias vezes: “Can you hear me, Major Tom?”

Interestelar, do diretor Christopher Nolan, também retrata uma viagem espacial. Mas, diferente da música de David Bowie, o astronauta do filme tenta desesperadamente voltar à Terra. E o que o motiva é justamente a família, em especial a sua filha, com a qual mantém fortes laços afetivos. Tanto que em determinado momento ele conclui que os filhos mantém vivo o nosso instinto de sobrevivência.

O filme aborda aspectos teóricos da ciência e tenta explica-los de forma prática, tais como a teoria da relatividade, a possibilidade de viagens espaciais, buracos negros, outras galáxias, dobras espaciais, distorções no tempo e no espaço, ondas gravitacionais e a possibilidade de o homem habitar outros planetas.

Este último ponto é o cerne do filme: o mundo encontra-se em vias de se tornar inabitável e uma missão espacial é designada para verificar a possibilidade de vida em outro planeta fora do sistema solar. Este cenário já havia sido retratado de maneira comovente e bela na animação Wall-E (2008).

O maior problema enfrentado pela missão espacial é o tempo, o qual, em viagens espaciais, varia bastante em relação ao tempo da Terra. Poucas horas em um determinado planeta corresponde a 20 anos em nosso tempo, poucos minutos contornando um buraco negro e lá se foram 50 anos na Terra!

Como tomar decisões sabendo que em poucos minutos uma geração poderá deixar de existir na Terra? Que um filho passará da infância à fase adulta? Que o pai idoso falecerá? Que talvez o planeta nem mais exista? E diante desses fatos, o que fazer? Desistir e voltar? Continuar a missão? Morrer? Preservar a raça humana em outro planeta?

Mergulhados na imensidão do espaço, os astronautas passam por todas essas angústias. Isso transforma o filme em um grande drama, explorando as reflexões dos personagens sobre o sentido da vida, o nosso destino, a (in)finitude das emoções e as razões pelas quais vale a pena viver e morrer.

Além disso, explora, ao final, a consequência das distorções espaço-temporais com a possibilidade de realidades paralelas, multivivências e a quebra do padrão de correspondência entre passado e futuro, o que poderia nos levar a longas discussões filosóficas e religiosas. Isso torna o filme não só emocionante, mas também reflexivo.

Com imagens inebriantes, a trilha sonora mantém a tensão do filme até mesmo quando omite subitamente o som realçando o silêncio no vazio do universo.

No aspecto visual e pelo instinto de sobrevivência, “Interestelar” lembra “Gravidade”(2013), de Alfonso Cuarón. No enredo e pela busca de respostas e verdades sobre a nossa existência, assemelha-se bastante a “Contato” (1997), com Jodie Foster, baseado na obra de Carl Sagan. Mesmo sendo um excelente filme de ficção científica, não está no nível de “2001 - Uma odisseia no espaço” (1968), de Stanley Kubrick, e nem do russo “Solaris” (1972), de Andrei Tarkovski, os dois maiores épicos da ficção científica.

Acaso a música de David Bowie integrasse a trilha sonora do filme, precisaria passar por algumas modificações. Major Tom jamais poderia falar "There's nothing I can do". E nem a base terrestre poderia indagar "Can you hear me, Major Tom?". Sim, Major, há algo que você pode fazer. E, sim, nós podemos ouvi-lo, não importa como, onde ou quando!

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