21 de Julho de 2020 às 00:40
No quarto, sozinho e isolado, corpo febril e tosse renitente. Sem paladar e sem olfato. Tantos dias assim, sem contato físico e na ânsia pelo dia da liberdade. Contatos? Apenas por mensagens, áudios e ligações. A última ligação? O anúncio de que o seu pai, com a mesma enfermidade, mas idoso e frágil, agora nos braços dela, a morte, e já do outro lado do rio pelos remos de Caronte. Um velório vazio, triste, poucas pessoas, lacre no caixão, sem a oportunidade de uma despedida olho no olho, sem lágrimas trocadas, sem abraços de consolo. E ele, o filho, no quarto, ausente e distante do triste velório, sem um beijo de despedida. Apenas isso de anseio: um último beijo de despedida em seu pai, um beijo sem olfato, sem paladar, com o gosto amargo da saudade imorredoura em lágrimas sangradas, no quarto, sozinho, isolado.
Post Scriptum: narrativa sem verbos em memória do velório silencioso do pai de um amigo, um dos 80 mil óbitos por covid-19 até hoje no Brasil.
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