Johnny Alf, Eu e a Brisa

Por Gustavo Vidigal, em MÚSICA

Johnny Alf, Eu e a Brisa

07 de Abril de 2025 às 19:42

A brisa passa leve, quase sem fazer alarde. Toca o rosto, acaricia os cabelos, se insinua pela janela — e, quando se percebe, já passou. Assim era Johnny Alf. Um sopro sutil de genialidade que a música brasileira sentiu, mas não reteve. Um artista que moldou a paisagem sonora da Bossa Nova antes mesmo de ela ter nome, e que, no entanto, foi deixado de fora da festa.

Seus amigos o chamavam de reservado. Outros diziam que era tímido, misterioso. Talvez fosse apenas Johnny sendo Johnny: um homem que não se encaixava nos moldes que a sociedade esperava. Negro, homossexual, pianista de formação erudita em um Brasil preconceituoso e conservador dos anos 50, Alf nunca teve o luxo de apenas ser artista. Teve que ser resistência, ainda que silenciosa.

Nasceu Alfredo José da Silva, em Vila Isabel, mas foi no piano que se rebatizou. Desde cedo, mergulhou no universo do jazz americano, e do choque entre o suingue de Sinatra e o lirismo de Ary Barroso nasceu algo novo. Era samba, mas não era só samba. Era jazz, mas não era apenas jazz. Era Bossa Nova — embora ele nunca gostasse do rótulo.

Antes de João Gilberto sussurrar suas harmonias revolucionárias, Johnny já compunha com a mesma sofisticação. "Rapaz de Bem", "Ilusão à Toa", "Céu e Mar". Mas talvez nenhuma música o defina tão bem quanto "Eu e a Brisa". Há nela uma solidão elegante, um desejo contido, uma esperança que dança com a melancolia.

"Fica, ó brisa fica pois talvez quem sabe / O inesperado faça uma surpresa / E traga alguém que queira me escutar...", diz a letra. Mas quem ouvia Johnny cantar? Enquanto seus contemporâneos — quase todos brancos, héteros, e mais midiáticos — colhiam os louros da inovação musical, Alf tocava em boates discretas, lançava discos tímidos, mantinha a dignidade de quem sabe que seu valor não depende do aplauso fácil.

Sofreu preconceitos diversos — por sua raça, sua sexualidade, seu jeito introspectivo. Era o “músico dos músicos”, aquele que todos reverenciavam nos bastidores, mas que o grande público desconhecia. Injustiçado em vida, foi transformado em nota de rodapé nas histórias oficiais da Bossa Nova, mesmo tendo sido seu alicerce harmônico e emocional.

"Eu e a brisa", ele dizia — como se a música fosse uma conversa entre ele e o vento. A brisa que sussurra segredos ao ouvido, mas que poucos têm a sensibilidade de escutar. Johnny era isso: um segredo mal guardado da música brasileira. Um gênio que passou leve, mas que, para quem prestou atenção, deixou marcas fundas.

Hoje, sua obra ainda paira no ar como aquela brisa — discreta, mas cheia de significado. E talvez a maior homenagem que possamos fazer a Johnny Alf seja parar, em silêncio, e escutar. Porque a brisa não grita, mas revela. E Johnny, como ela, ainda tem muito a dizer.

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