Laranja Mecânica (Reino Unido, 1971)

Por Leandro Lages, em CINEMA

Laranja Mecânica (Reino Unido, 1971)

30 de Julho de 2014 às 23:59

Uma simples pesquisa pelo termo “laranja mecânica” origina três respostas principais: o time da Holanda que encantou a todos na copa do mundo de 1974, o filme do diretor Stanley Kubrick de 1971 e o livro do escritor Anthony Burgess de 1962.

Laranja Mecânica (Clockwork Orange, no original) que dá o título ao livro de Anthony Burgess inspirou o filme de Stanley Kubrick. O sucesso do filme serviu para que se fizesse uma alusão à cor laranja do uniforme da seleção holandesa de futebol de 1974, uma máquina de jogar bola, ou seja, uma “laranja mecânica” que triturava os adversários.

Filmes adaptados de livros geralmente ficam aquém a obra original. Laranja Mecânica é uma grata exceção à regra. Além de ser bastante fiel ao livro, o filme é tão bom quanto e ainda contribuiu para a popularização da obra, tornando-se um dos grandes clássicos do cinema. É presença cativa em qualquer lista de filmes de críticos famosos ou de simples amantes da sétima arte.

O enredo gira em torno do jovem Alex, filho único de uma família classe média-baixa. No ambiente familiar Alex aparenta ser um típico e calmo jovem, com os típicos problemas e anseios da juventude, em uma típica família de pais trabalhadores com pouco tempo para dar atenção ao filho.

Fora de casa, Alex é o líder de um grupo de garotos que tem como hobby praticar várias atrocidades, tais como espancar mendigos, roubar carros para promover badernas, destruir o patrimônio alheio, roubar e estuprar, além de lutar com outros grupos de jovens.

Conhecido dos policiais, Alex não pode ser detido por ser menor de idade, apesar de já ter passado por reformatórios que nunca o “reformavam”. O próprio nome “Alex” vem de “A+lex”, abreviação do latim para “ausência de lei” ou “aversão à lei”. Alex sempre desrespeitou as mínimas regras de convivência social.

A temática da delinquência juvenil, bastante atual, mostra-se viva e preocupante na Laranja Mecânica de Anthony Burgess em 1962, assim também como a inoperância do Estado em lidar com o problema. A obra poderia restringir-se a essa temática, mas vai além, e é isso que a diferencia de tantas outras que abordam o mesmo assunto.

Assim que completa a maioridade, Alex comete um crime e é preso. Na prisão recebe a proposta de abreviar a sua pena acaso participe de um experimento científico que tem por objetivo “curar” o seu instinto criminoso.

Alex aceita e sofre duras consequências que o maculam de forma terrível, modificando totalmente a sua personalidade e o seu livre arbítrio, além de comprometer a sua convivência em sociedade.

O experimento a que Alex foi submetido é demonstrado como uma verdadeira cura do crime. Ataca-se o instinto criminoso como se fosse uma doença, inibindo-se a reincidência.

O experimento é bem mais barato e prático do que atuar de forma preventiva através de políticas públicas de incentivo à educação, cultura, esporte e lazer. Releva-se até mesmo a importância dos pais na educação e na formação dos filhos. O experimento se propõe a curar tudo, sem medir os efeitos colaterais.

Com isso, surgem alguns questionamentos: o Estado pode interferir na vida do cidadão para manipular o seu comportamento? Mesmo que seja um comportamento criminoso? Ainda que tenha por objetivo trazer a paz ao convívio social? O que é paz no convívio social? Em que consiste o convívio em sociedade? Óbvio que a obra não traz a resposta a estes questionamentos, mas essa é grande reflexão deixada por Laranja Mecânica.

Reflexão idêntica também surge nas obras “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, e “1984”, de George Orwell, essenciais em qualquer estante de livros, mas que infelizmente não originaram adaptações tão boas quanto Laranja Mecânica.

Laranja Mecânica deve ser lido e assistido. Impossível dizer o que fazer primeiro: ler ou assistir. Ambos proporcionam prazeres distintos, e o livro ainda tem um capítulo final que Stanley Kubrick preferiu omitir no filme. Mais uma razão para ler.

O prazer da leitura consiste em imaginar as cenas descritas no livro. E assistir Laranja Mecânica nos mostra como o gênio e louco Stanley Kubrick imaginou as cenas pensadas e redigidas pelo visionário e excêntrico Anthony Burgess. Impossível ficar indiferente após essa experiência.

Voltar