Lucía y El Sexo (Espanha, 2001)

Por Diego de Montalvão, em CINEMA

Lucía y El Sexo (Espanha, 2001)

07 de Maio de 2014 às 22:38

Nem sempre os significados das coisas estão explícitos à primeira vista. O ato de perceber o mundo depende tanto dos objetos, porém mais ainda, do observador. O homem, de forma inconsciente, se utiliza dos sentidos para evocar sentimentos que simbolizam o ato de vivenciar, de experimentar o viver.  Lucía y el sexo é destas obras repletas de simbolismos, que fazem do cinema de Julio Medem uma experiência onde sentir é mais importante que entender.

O que parece ser apenas mais um thriller erótico, com uma trama complexa e desconectada, na verdade é um artifício para destoar sua pretensão. O sugestionável é a parte que cabe ao espectador. Se um diretor esconde a trama, mais se pode construir a análise psicológica dos personagens e o enredo do filme. À medida que um filme aborda temáticas que põe em xeque a condição humana, como é o caso de Lucía y el sexo, mais surge a curiosidade pela história.

Voltando à questão dos simbolismos, a utilização de elementos ubíquos na natureza dá o tom do filme. Neste ponto, lembra o diretor russo Andrey Tarkovski, cuja obra cinematográfica traz incessantemente um olhar sobre elementos como água, terra e ar. Lorenzo (sol), escritor aparentemente talentoso e um tanto enfadonho, é namorado de Lucía (raio de luz), jovem espirituosa que, por possuir tanta vivacidade, altera a rotina do romancista com sua maneira trivial e decidida. Tudo dele é apaixonado por Lucía. Lorenzo, ao descobrir ser pai de Luna (lua), sente-se também atraído pelo sentimento nunca antes experimentado, que o impulsiona à aproximação de sua filha. Como os planetas giram em torno ao sol, o enredo foca na relação dos personagens com Lorenzo.

As rupturas do roteiro, um tanto extenso, transformam a história numa aventura cinematográfica. Em certo ponto, surge a pista: “É uma história com muitas vantagens, uma é o que o final não é um ponto definitivo, é um buraco que levará a qualquer outro ponto da narrativa, e assim pode-se mudar o rumo do que é vivido”. Esse quê de surrealismo já fora explorado pelo escritor piauiense O.G. Rêgo de Carvalho em Rio subterrâneo (1967), cujos capítulos da obra podem ser lidos de forma linear, ou de uma forma alternativa, iniciando pelos capítulos ímpares e depois os pares, como sugere o autor. Jogo de amarelinha (1963), do escritor argentino Júlio Córtazar, romancista que conheci por intermédio do co-autor do blog, também usa deste artifício narrativo. Este labirinto na trama de Lucía y el sexo torna o enredo uma atração à parte.

Inicialmente os personagens principais são mostrados quando já se encontram em um relacionamento amoroso. Não se tem conhecimento da persona Lorenzo (sol) antes de conhecer Lucía (raio de luz) e tampouco da existência de Lucía sem Lorenzo. A sugestão é que os dois sempre foram almas-gêmeas. Esta forma de abordar o amor, como algo predestinado, também está presente em Amantes do círculo polar, do mesmo diretor. Um buraco na narrativa permite melhor delineamento das personalidades no decorrer da trama, quando os mesmo não estão juntos. Quando atravessada a primeira metade do filme, permite-se a leitura das características psicológicas de cada um. Lorenzo realmente se transforma em um escritor neurótico e Lucía, jovem altiva.  Embora seja pretensão afirmar que Lorenzo seja misantropo, ele não recusa a aproximação de Lucía em detrimento de sua confortável solidão. O protagonista, de natureza insegura, se lança na aventura em plena confiança em sua intuição. 

O fato é que a trama carrega certo ar de desalinho. O mesmo não se pode dizer quanto ao estilo bem definido do diretor. Julio Medem soube dosar a mão para conduzir o filme com conteúdo erótico e sensível sem soar apelativo.  Algumas passagens trazem um olhar tenro e singelo que casam bem com a densa trilha sonora, lembrando o cinema do polonês Krzystof Kiéslowski. Estas e outras características acabam por tornar Lucía y el sexo um filme com personalidade, daqueles que justificam o porquê do cinema ser uma arte tão apaixonante. 

Lucía y el sexo consegue ser dubiamente cruel e esperançoso, erótico e impoluto, violento e suave. Assim como a vida é. Fernando Pessoa uma vez justificara o papel do artista: “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente”. O que é a arte senão o ato de imitar a vida?

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