Meio século da tragédia do “Albertão” e a liberdade de expressão: o que aprendemos?

Por Sebastião Costa e Edwar Castelo Branco, em OPINIÃO

Meio século da tragédia do “Albertão” e a liberdade de expressão: o que aprendemos?

12 de Maio de 2023 às 18:58

Uma ordem constitucional é uma guia em direção ao futuro. Ao estabelecer os parâmetros aceitáveis da vivência em sociedade, carreando para o interior de normas civilizatórias constitucionais os limites de nossas vivências públicas, a constituição expressa um pacto social através do qual uma sociedade exclama o que é e o que não é aceitável.

A sociedade brasileira teve, em sua trajetória como nação, diferentes e variadas constituições. A primeira delas, expressão das intrigas políticas que estão na base da formação do Estado Nacional, nos foi outorgada; A mais curta delas, expressão das expectativas democráticas pós Revolução de 1930, foi esmagada pela ânsia golpista do Estado Novo, durando apenas três anos. Aquela sob a qual nos encontramos hoje, expressão do mais amplo pacto social firmado no âmbito da república brasileira, foi promulgada há 35 anos e segue balizando tanto as nossas garantias legais quanto a nossa expectativa e a nossa esperança em que, após tantas tentativas fracassadas, a sociedade brasileira já percebeu forjada à sua frente a importância de ter sempre em pé uma ordem constitucional e um estado democrático de direito.

Mas o fato é que, como tudo exposto aos ventos tropicais, a ordem constitucional brasileira também tremula. E continuadamente nós temos que fazer o exercício de girar criticamente sobre nós mesmos para responder como é que este ou aquele mandamus constitucional pode ser interpretado. É que o acontece, nestes tempos tão tensionados, com a norma constitucional que estabelece a liberdade de expressão.

Entendida como direito de manifestação do pensamento, a liberdade de expressão é resguardada no artigo 19 da Declaração Universal do Direitos Humanos e embasa vários mandamus constitucionais e legais no Brasil, a exemplo do artigo 5º, inciso IV e do caput do artigo 220, ambos da CF88 e o artigo 1º da Lei 2.083/53, recepcionada pela ordem constitucional de 1988.

Mas a questão, nestes tempos tensionados, é: quais são os limites da liberdade de expressão? Tal liberdade é um direito absoluto, que magicamente se alça para fora do próprio equilíbrio das normas e princípios? Ao nosso ver, não. E eis os fundamentos pelos quais defendemos que a liberdade de expressão não apenas tem limites como da observância de tais limites depende a paz social do Brasil:

O dia 26 de agosto de 1973 alcançou Teresina e seu povo num misto de alegria e expectativa. Naquele dia, como parte das comemorações pela inauguração do Estádio Albertão, uma arena esportiva então muito moderna, a cidade se transformara em espécie de Meca dos admiradores de futebol. Naquele dia, em partida válida pelo campeonato nacional, o Tiradentes, então maior força do futebol piauiense, e o Fluminense, multi campeão brasileiro, se enfrentariam. Teresina recebeu, então, torcedores de diferentes partes do país. O clima festivo era percebido em todas as regiões da cidade. Horas antes da partida o estádio, com parte das obras ainda inacabadas, já estava lotado. Mais de trinta mil torcedores. Autoridades – incluindo o governador que dava nome ao estádio – se perfilavam nas cadeiras especiais. Torcedores coloriam o estádio com suas bandeiras e o frenesi de alegria cortava a tarde que escorregava para a noite. De repente, portando a liberdade de expressão, alguém gritou: “O estádio está caindo!”. É provável que estivesse fazendo um gracejo, mas os resultados sociais de tal gracejo foram uma imensa tragédia, com milhares de pessoas se atirando aos fossos que separam as arquibancadas do gramado. Centenas se feriram gravemente. Outras centenas tiveram sequelas que jamais foram superadas. A festa foi convertida em tragédia. E o que é que está base disso tudo? Supostamente a liberdade de expressão. Apenas um gracejo.

O exemplo do Albertão é apenas um, em centenas, que demonstra como é possível acabar com vidas, dilacerando-as, com situações não apuradas adequadamente, com suposições preconceituosas. Lembre-se, aqui, o emblemático caso da Escola Base, em São Paulo: a notícia, decorrente de conjugado erro da polícia e da imprensa, destruiu não apenas a escola, mas as vidas que a erigiram.

A liberdade de expressão, portanto, não constitui direito absoluto. Não existem direitos absolutos no estamento jurídico brasileiro. O que confaz o direito é o equilíbrio. Neste caso, o exercício pleno da liberdade de expressão de um lado e do outro a proteção da dignidade da pessoa humana e a defesa da democracia. Um direito equilibra e limita ao outro. E esta lição, embora elementar, é indispensável num momento histórico em que, com base na “liberdade de expressão”, criminosos abarrotam as redes sociais com notícias falsas, atingindo a saúde pública, a família, as instituições e a vida das pessoas. A liberdade de expressão deve expressar, antes de tudo, a educação e a civilidade. E acima de tudo a paz social.

Uma ordem constitucional é uma guia em direção ao futuro. Ao estabelecer os parâmetros aceitáveis da vivência em sociedade, carreando para o interior de normas civilizatórias constitucionais os limites de nossas vivências públicas, a constituição expressa um pacto social através do qual uma sociedade exclama o que é e o que não é aceitável.

A sociedade brasileira teve, em sua trajetória como nação, diferentes e variadas constituições. A primeira delas, expressão das intrigas políticas que estão na base da formação do Estado Nacional, nos foi outorgada; A mais curta delas, expressão das expectativas democráticas pós Revolução de 1930, foi esmagada pela ânsia golpista do Estado Novo, durando apenas três anos. Aquela sob a qual nos encontramos hoje, expressão do mais amplo pacto social firmado no âmbito da república brasileira, foi promulgada há 35 anos e segue balizando tanto as nossas garantias legais quanto a nossa expectativa e a nossa esperança em que, após tantas tentativas fracassadas, a sociedade brasileira já percebeu forjada à sua frente a importância de ter sempre em pé uma ordem constitucional e um estado democrático de direito.

Mas o fato é que, como tudo exposto aos ventos tropicais, a ordem constitucional brasileira também tremula. E continuadamente nós temos que fazer o exercício de girar criticamente sobre nós mesmos para responder como é que este ou aquele mandamus constitucional pode ser interpretado. É que o acontece, nestes tempos tão tensionados, com a norma constitucional que estabelece a liberdade de expressão.

Entendida como direito de manifestação do pensamento, a liberdade de expressão é resguardada no artigo 19 da Declaração Universal do Direitos Humanos e embasa vários mandamus constitucionais e legais no Brasil, a exemplo do artigo 5º, inciso IV e do caput do artigo 220, ambos da CF88 e o artigo 1º da Lei 2.083/53, recepcionada pela ordem constitucional de 1988.

Mas a questão, nestes tempos tensionados, é: quais são os limites da liberdade de expressão? Tal liberdade é um direito absoluto, que magicamente se alça para fora do próprio equilíbrio das normas e princípios? Ao nosso ver, não. E eis os fundamentos pelos quais defendemos que a liberdade de expressão não apenas tem limites como da observância de tais limites depende a paz social do Brasil:

O dia 26 de agosto de 1973 alcançou Teresina e seu povo num misto de alegria e expectativa. Naquele dia, como parte das comemorações pela inauguração do Estádio Albertão, uma arena esportiva então muito moderna, a cidade se transformara em espécie de Meca dos admiradores de futebol. Naquele dia, em partida válida pelo campeonato nacional, o Tiradentes, então maior força do futebol piauiense, e o Fluminense, multi campeão brasileiro, se enfrentariam. Teresina recebeu, então, torcedores de diferentes partes do país. O clima festivo era percebido em todas as regiões da cidade. Horas antes da partida o estádio, com parte das obras ainda inacabadas, já estava lotado. Mais de trinta mil torcedores. Autoridades – incluindo o governador que dava nome ao estádio – se perfilavam nas cadeiras especiais. Torcedores coloriam o estádio com suas bandeiras e o frenesi de alegria cortava a tarde que escorregava para a noite. De repente, portando a liberdade de expressão, alguém gritou: “O estádio está caindo!”. É provável que estivesse fazendo um gracejo, mas os resultados sociais de tal gracejo foram uma imensa tragédia, com milhares de pessoas se atirando aos fossos que separam as arquibancadas do gramado. Centenas se feriram gravemente. Outras centenas tiveram sequelas que jamais foram superadas. A festa foi convertida em tragédia. E o que é que está base disso tudo? Supostamente a liberdade de expressão. Apenas um gracejo.

O exemplo do Albertão é apenas um, em centenas, que demonstra como é possível acabar com vidas, dilacerando-as, com situações não apuradas adequadamente, com suposições preconceituosas. Lembre-se, aqui, o emblemático caso da Escola Base, em São Paulo: a notícia, decorrente de conjugado erro da polícia e da imprensa, destruiu não apenas a escola, mas as vidas que a erigiram.

A liberdade de expressão, portanto, não constitui direito absoluto. Não existem direitos absolutos no estamento jurídico brasileiro. O que confaz o direito é o equilíbrio. Neste caso, o exercício pleno da liberdade de expressão de um lado e do outro a proteção da dignidade da pessoa humana e a defesa da democracia. Um direito equilibra e limita ao outro. E esta lição, embora elementar, é indispensável num momento histórico em que, com base na “liberdade de expressão”, criminosos abarrotam as redes sociais com notícias falsas, atingindo a saúde pública, a família, as instituições e a vida das pessoas. A liberdade de expressão deve expressar, antes de tudo, a educação e a civilidade. E acima de tudo a paz social.

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