Musashi (Japão, 1954)

Por Leandro Lages, em CINEMA

Musashi (Japão, 1954)

03 de Setembro de 2014 às 00:52

Uma dos maiores lendas da história do Japão permanece, inexplicavelmente, desconhecida aos costumes ocidentais. 

Musashi é admirado em todo o Japão não só pelo seu talento como samurai, mas também pela dedicação às artes (pintura e escultura) e por ter produzido um dos maiores tratados de estratégia da humanidade: “O Livro dos Cinco Anéis”. 

A obra é um clássico para os executivos japoneses, considerada um dos melhores guias psicológicos de estratégia negocial. Alcança o mesmo nível do propalado “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu.

Sua história de vida inspirou uma série de livros, programas de TV, documentários, mangás, pinturas, esculturas, videogames e, claro, filmes. Seu nome batizou o maior navio de guerra japonês na 2ª guerra mundial. Dentre os 15 filmes já realizados sobre a sua vida, destaque para a trilogia lançada em 1954, 1955 e 1956. 

O filme tem por base o livro de igual nome – Musashi – escrito por Eiji Yoshikawa, em 1935. É considerado o maior clássico da literatura japonesa. Leem-se as 1800 páginas de forma ávida e incansável. Impossível não se tornar admirador do protagonista logo nas primeiras páginas, bem como da história e da cultura japonesa que forja cidadãos disciplinados, estoicos, honrados e determinados em seus projetos de vida. 

A história de Musashi se passa no Japão feudal. Acompanhado do seu amigo de infância participa, ainda jovem, de uma das maiores batalhas da história do Japão feudal, a batalha de Sekigahara, em 1600.

Derrotados na batalha, os amigos tomam rumos distintos. Musashi decide aprimorar sua técnica e seus conhecimentos. Já o amigo resolve seguir errante pelo território japonês, sem maiores pretensões.

A partir daí percebe-se como somos frutos de nossas decisões. Enquanto Musashi cresce em talento e caráter a cada nova experiência, seu amigo apequena-se em uma vida mundana e permeada de vícios que lhe trazem prazeres voláteis. 

Musashi busca contato com os melhores estrategistas, os mais ágeis samurais e sábios monges, sempre almejando aprimoramento físico, mental e espiritual. A cada experiência reflete sobre a vida e sobre as disputas humanas, reflexões estas que originaram o seu manual de estratégia escrito nos seus últimos dias de vida, em 1645, o já mencionado “O Livro dos Cinco Anéis”.   

Em seus combates chama mais atenção os recursos psicológicos utilizados para aniquilar o oponente do que a disputa de armas em si, geralmente muito rápidas e decididas em um só golpe, bem diferente das lutas nos filmes ianques nos quais se valoriza a plástica do combate e o sangue jorrante.

Interessante comparar os caminhos trilhados por cada um dos amigos de infância. Samurais errantes e sem riquezas, cada vez que se encontram percebe-se o grande abismo existencial que se forma entre ambos. 

Adepto da filosofia zen-budista, Musashi mostra-se cada vez mais forte e respeitado por seu talento e exemplo de vida. Já o seu amigo torna-se decrépito e vazio. Ainda assim a amizade entre os dois permanece. Musashi sempre tentando resgatar o amigo, o qual o evita para não confrontar o seu fracasso de vida. 

Tal situação leva Musashi a concluir: “O homem possui tendências naturais que precisam ser estimuladas e outras que, ao contrário, devem ser inibidas. Deixadas à vontade, certas qualidades indesejáveis vicejam, enquanto outras, positivas, estagnam”.

Por sua vida isolada e permeada de reflexões, é possível compará-lo a Dom Quixote, de Cervantes, ou a Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, ou até mesmo a Dersu Uzala, de Akira Kurosawa. Acaso liderasse tropas em guerras em nada deveria a Napoleão Bonaparte ou Alexandre, o Grande. 

Em uma época tão carente de ídolos verdadeiros, Musashi permanece atual desde o ano de 1600. Seja através do filme, ou do livro, ou até mesmo do mangá, o ocidente precisa descobrir Musashi.

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