O Clã (Argentina, 2015)

Por Leonel Veloso, em CINEMA

O Clã (Argentina, 2015)

06 de Janeiro de 2016 às 21:32

Aqui, dentro do meu quarto, escuto ruídos de alguém que anseia desespero. O eco desta voz emana por toda a casa, deixando cálida toda a superfície. Minha mãe parece dissociar-se, enquanto meus irmãos confortam-se como podem: uma se enclausura entre fones de ouvido; outra se concentra em tarefas literárias; o outro se encaixota dentro do próprio travesseiro. Eu, infelizmente, nada consigo fazer para reverter  tais traços sonoros e me calo, ouvindo, de leve, mas alto, passos de um barulho deturpante.

Chamo-me Alex. Sou jogador de rúgbi e exerço com certo esmero esta minha função. E não são só os meus amigos que me cobrem de elogios. Há os empresários que divulgam imagens, torcidas que se alvoroçam, a namorada que se distorce em nobres sensações. Infelizmente, não consigo compartilhar dos mesmos. Sinto-me culpado, angustiado, atormentado. E você, leitor, pode perguntar-me o porquê de tanto desespero. Talvez seja por não ser este o meu único trabalho. 

Falo isso no tempo presente apesar de, no momento, não ser este o meu próprio presente. Hoje, vivo isolado e gradeado, lembrando um leão que padece de fome e vontade. Passa por minha órbita imagens translúcidas de tristeza; por meu afeto, uma angústia sem (re)nome; e por meu pensamento, ideias contínuas de desesperança e morte. Talvez por alucinar ou fracassar não consiga passar para o lado de lá. E talvez me conforte no senhor, leitor, relatar a minha angústia e desalento.

Nos meus últimos anos em casa, acompanhei enormes atrocidades que afetavam pessoas cujo vínculo comigo era praticamente inexistente. Parecia uma violência gratuita em que, com a ajuda do Estado e a mando do meu pai, ganhávamos dinheiro conforme fosse o caso e independente do sexo ou idade. Importavam mesmo a condição social e as aparências. Ajudei a sequestrar, agredir, transgredir e humilhar pessoas constantemente, sem falar uma palavra, talvez por medo da repreensão e desacato. Lidei, ao mesmo tempo, com o sofrimento alheio e abominável do outro sem conseguir reagir ao presente, parecendo-me impotente. Nessas contraditórias aparências, ganhei dinheiro, comprei casa, planejei o futuro, dediquei-me a pensar que talvez isto pudesse diluir a dor que eu sentia. Infelizmente, percebi que as quantias milionárias, porém inescrupulosas, eram extremamente perecíveis, tornando-se inexistentes em segundos de hora.

Falo isso, leitor, como uma espécie de confissão. Falo isso pois quem me trouxe até aqui foi exatamente o responsável por eu estar nesse mundo. E o que posso lhe falar é que o odeio de todo o coração. A minha vontade é de agredi-lo até não poder mais, de gritar da maneira mais irracional, e de jogá-lo ao lado das piores presas animais. Acho, infelizmente, que não tenho pragmatismo para tal. Considero-me um derrotado.

 

Meu pai fez de mim o animal que me tornei.

 

E tudo o que queria era ter conseguido dizer não a tudo isso.  Impor-me.

 

Hoje, quero apenas morrer.

 

(Baseado na obra ‘O Clã’ e na conflituosa relação entre Alejandro e Arquímedes, filho e pai)

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