O homem maior que a revolução

Por Diego de Montalvão, em CINEMA

O homem maior que a revolução

24 de Fevereiro de 2018 às 00:46

Apesar de não me considerar um conhecedor da obra de godard, o pouco que vi deste importante nome da nouvelle vague sempre me deixou fascinado. Desde os primeiros filmes, como Acossado e O desprezo, até títulos mais recentes, como Socialismo e Adeus linguagem, muito me chamou atenção a personalidade que o diretor imprime em sua obra, tornando-a, além de prazerosa, em algo desafiador.

Entretanto, eu não me encontrava em estado de empolgação quando resolvi encarar essa obra. No fundo, havia para mim uma incompatibilidade. A verdade é que eu estranhei o fato do premiado diretor de O Artista, um frequentador do mainstream e ganhador de Oscar, retratar Godard, um homem cuja personalidade sempre foi avessa a qualquer tipo de unanimidade. 

Contra tudo e todos, apertei o play e o que vi me agradou. Primeiro, porque Louis Garrel está impecável na pele do protagonista; segundo porque era um filme sobre a nouvelle vague e, por último, porque o diretor abusa da metalinguagem, diga-se de passagem, artificialmente em alguns trechos. 

Ainda assim, a direção de Michel Hazanavicius não compromete. O filme aborda o período mais político de Godard, que esteve presente nas manifestações de 1968, juntamente com Philippe Garrel, pai de Louis. A época, Godard tinha 38 anos, era recém-separado de Anna Karina e estava em um novo relacionamento com a protagonista de seu novo filme, Anne Wiazemsky, que possuía 17 anos.

O filme ganha densidade quando aborda as contradições de Godard e da revoluçao de 68. A participação do cineasta dividiu opinião entre os manifestantes, afinal, Godard provinha de uma familia rica e já era tido como um ícone pop. Esse impasse foi combustível na genialidade do realizador francês: se por um lado ele reconhecia seu modo de vida burguês, por outro ele se encontrava apto para revolucionar novamente a forma de fazer cinema.

 

E foi assim que a revolução política  foi canalizada em revolução artística, como se deve ser, e não o contrário, como é alardeado hoje. E foi assim que Godard criou o Dziga Vertov,  um grupo desprovido de relações de poder entre atores e realizadores no processo de criação, em um experimentalismo jamais visto, que rompeu de vez com a corrente cinematográfica vigente.

Porém este processo deixou sequelas em ambos os lados. No fundo, essa inquietação marca o brilhantismo de Godard, mas sua relação com o cinema francês, que já era tumultuosa, ruiu definitivamente. Godard, por sua vez teve seu casamento abalado, ao ponto que suas amizades eram repelidas pelos embates autoritários e cruéis que o diretor travava com seus interlocutores.

Por fim, além de um exercício prazeroso, O formidável é um filme que vale o ingresso, e minha conclusão nos créditos finais  é a mesma de Fernando Pessoa, que diz que “todo o mal vem de nos importamos uns com os outros, quer para fazer o bem, quer para fazer o mal”, com a ressalva que toda revolução vale a pena, quando o indivíduo é maior que ela.

 

Voltar