O Misantropo (Cenas 10, 11 e 12)

Por Lucas Villa, em TEATRO

O Misantropo (Cenas 10, 11 e 12)

29 de Agosto de 2020 às 15:16

Cenas 10, 11 e 12

(Lucas Villa, 2001)

X

 

À mesa jantam a Irmã, o Cunhado e o Sobrinho do Misantropo.

 

Cunhado – Avisaste, minha mulher, ao Misantropo, de nossos planos?

Irmã – Não o trates por esta alcunha, é demasiado vulgar!

Cunhado – Mas é assim que a ele se referem todos na cidade. É o que somos aqui: o cunhado do Misantropo, a irmã do Misantropo...

Irmã – Chega!

Cunhado - ... Mas o somos por pouco tempo. Em breve deixaremos de ser sombras da insanidade de teu irmão. Em breve os dedos indicadores deste povo deixarão de apontar-nos às ruas com desdém.

Irmã – Não quero mais ouvir nada! Orgulho-me de meu irmão! É genial! Suas obras hão de marcar todo o futuro da arte e do pensamento da humanidade. Suas obras...

 

O Cunhado se exalta, levanta-se, bate à mesa e grita.

 

Cunhado – Suas obras não fazem o menor sentido, é esta a verdade! Suas linhas nada dizem! E nós, tolos, ainda desperdiçamos nosso já escasso dinheiro publicando seus devaneios patológicos!

 

O Sobrinho, já assustado com a discussão, baixa a cabeça e chora.

 

Cunhado – Vês como vive assustado o nosso filho? Vês como teu irmão nos faz brigar, nos retira do lar a paz? Pois eu digo que este homem é o Demônio!

Irmã – Para!

Sobrinho – Mãe, tenho medo!

 

Levanta-se a Irmã, toma pelo braço seu filho e deixa a sala. Entra a Criada para recolher os pratos.

 

Cunhado – Espera-me em teu quarto às três da madrugada. (Leva a mão às coxas da Criada e vai subindo-a lentamente). Hoje nos divertiremos mais que de costume. Tenho planos para mim, para ti e para o Misantropo...

 

 

XI

 

No quarto do casal, mãe e filho conversam.

 

Sobrinho – Mãe, por que o Demônio tem de morar em nossa casa?

Irmã – Meu querido, não há Demônio algum...

Sobrinho – Ouvi papai dizer que o homem que mora em nosso porão é o Demônio. Por que deixamos ele morar conosco?

Irmã – O homem que mora no porão é teu tio, meu irmão! Teu pai apenas não gosta dele e acaba nos assustando com estas ideias.

Sobrinho – Tio, Demônio, não importa o que seja, tenho muito medo dele. Por que nunca sai de lá? Uma vez o vi através da janela do porão, quando brincava no pátio. Não parecia um homem. É tão magro e tão peludo... desde que o vi nunca mais brinquei no pátio, tenho medo de vê-lo novamente. Tenho medo de andar em casa à noite, medo que ele fuja lá de dentro...

Irmã – Fugir?  Mas ele não vive preso lá. Não sai porque não quer sair, e é exatamente esse o problema.

 Sobrinho – Meus colegas da escola dizem que ele sai à noite, mata pessoas e se alimenta delas. Outros dizem que ele é um lobisomem e que se transforma nas noites de lua cheia. Dizem até que é um vampiro, que bebe o sangue dos ratos que vivem com ele no nosso porão...

Irmã – As pessoas são maldosas, meu filho. Ele é apenas um homem como os outros, a diferença é que é inteligente demais. As pessoas muito inteligentes têm comportamentos que parecem estranhos a nós, pessoas comuns.

 

Entra o Cunhado.

 

Irmã – E falando em pessoas comuns...

Cunhado – Já não é hora de dormir?

 

O Sobrinho deixa o quarto, Irmã e Cunhado deitam-se para dormir.

 

 

XII

 

No quarto do porão monologa o Misantropo.

 

Misantropo – Louco! É o que pode ser um homem que vive só. Ser Deus ou ser Louco.

 

Toma à mão uma pena e uma folha de papel em branco.

 

Misantropo - Isso é o mundo! Um conjunto com apenas três elementos: uma pena, um papel em branco e um louco. Um instrumento de criação ativo, um instrumento de criação passivo e uma mente criadora, um Deus criador. Mas se a criação nos não agrada, podemos simplesmente rasgar o papel, (rasga o papel) tendo ele já várias linhas escritas?

Nos movem instintos? Instintos que escorrem dos tinteiros. Move-nos tinta! Movemo-nos em papel. Do papel partimos e ao papel haveremos de retornar!

Mas a verdade é que também eu movo penas! Também? Ou serei o único?

Hei de mover minha própria tinta!

 

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