Os últimos dias no deserto (USA, 2016)

Por Márcio Barros, em CINEMA

Os últimos dias no deserto (USA, 2016)

13 de Outubro de 2016 às 02:40

"Cheio do Espírito Santo voltou Jesus do Jordão, e foi guiado pelo Espírito no deserto. durante quarenta dias, sendo tentado pelo Diabo. Nada comeu nesses dias; mas passados eles, teve fome.." Lucas 4,1-2.
O trecho acima, um dos mais célebres do novo testamento, narra a peregrinação de Jesus pelo deserto antes de iniciar sua missão e as tentações sofridas ao longo da jornada. Carregada de simbolismo, a cena representa o confronto de Cristo com seus próprios medos, angústias e fraquezas em busca da purificação.
Na solidão árida do deserto é possível ouvir claramente as vozes que dão vazão aos demônios interiores que o tentam a fugir do Caminho, seguindo por atalhos: Transformar pedras em pães para aliviar a fome, atirar-se de um pináculo para que anjos o salvem e idolatrar falsos ídolos em troca de poder e glória “terrenos”.
A busca interior de Cristo influenciou boa parte da cultura ocidental dos séculos seguintes: Das ordens monásticas medievais que se refugiavam na solidão da clausura, à literatura de Dante, Milton, Dostoievski, Vinícius de moares,... , à pintura Boticelli e hieronymus bosch até a filmes como a última tentação de Cristo e ao mais recente, os últimos dias no deserto de Rodrigo Garcia. Todos se utilizam da poderosa metáfora do diabo como personificação das tentações humanas e seus consequentes contrapesos morais para nossas decisões diárias (das mais simples as mais complexas).
A tentação de ir pelo caminho mais curto nos acompanha por toda a vida e é fundamental para que possamos nos conhecer minimamente, afinal, é pelo “mal que há em mim que sei realmente quem sou”. Não é necessário ser religioso para perceber que a simbologia das tentações representa uma das maiores questões psicológicas da humanidade: Atender a apelos imediatistas e concretos ou obedecer a distantes e abstratos princípios morais? Essas opções normalmente nos aparecem em conflito a todo instante.
Em tempos de ditadura do hedonistic lifestyle, a busca pelo prazer instantâneo virou um princípio moral em si. Não há mais conflito. E sem conflito interior não há como sabermos quem realmente somos. Estamos perdidos. Talvez por isso os consultórios psiquiátricos vivam cheios de pessoas procurando preencher seus dilemas existenciais com boas doses de Clonazepam ou Valium.
Acredito que deveria haver desertos, no lugar de shopping centers e de redes sociais, para que pudéssemos contemplar, em silêncio, do abismos de nossa personalidade, a marcha contínua das tentações nossas de cada dia e ter a liberdade de resistir a elas se assim desejássemos. Talvez assim, mais pertos do humano, encontrássemos alguma redenção divina para o vazio da existência que nos consome diariamente.
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