Queda Livre (UK, 2016)

Por Leandro Lages, em CINEMA

Queda Livre (UK, 2016)

15 de Julho de 2018 às 13:40

Século VI antes de Cristo. O mundo das redes sociais nem sonhava em existir e naquela época viveu o escritor grego Esopo, conhecido por suas fábulas.

Em uma de suas inúmeras fábulas, um viajante encontra uma mulher que estava sozinha e triste. Ao indagar sobre quem era, ela responde: “A Verdade”. O viajante questiona: “E por que abandonaste a cidade dos homens para viver nesta solidão?”, ao que ela retruca “Foi porque antigamente só poucas pessoas mentiam; hoje a mentira está por toda parte”.

Essa fábula poderia ilustrar “Queda Livre”, episódio da 3ª temporada da série britânica Black Mirror. A série aborda situações que tratam de realidades bem distópicas, mas às vezes muito próximas de um futuro vindouro.

Em “Queda Livre” as pessoas vivem imersas em uma rede social na qual todos possuem notas que variam de 1 a 5. As notas são conferidas a cada interação diária, desde uma saudação a um estranho, comportamento no trânsito, reclamação de atendimento, postagem de uma foto, etc.

Pessoas com nota acima de 4 possuem um ciclo social mais ativo, são mais valorizadas e até auferem benefícios comerciais. Pessoas com notas ínfimas são verdadeiros párias, vistas com desdém e até mesmo receio. Evita-se até mesmo conversar com elas.

Nesse panorama as pessoas se esforçam para agradar a todos nas interações humanas diárias. Preferível receber uma nota 5 por um comentário agradável, mesmo que não sincero, a levar uma nota 1 por um comentário verdadeiro, mas que desagrade.

Se vivo estivesse e assistisse a “Queda Livre”, Esopo constataria a atualidade de sua fábula sobre a verdade, pois na rede social do episódio “a mentira está por toda a parte”.

E assim a vida segue, com as pessoas se esforçando para agradar a todos na constante busca para melhorar ou manter o seu ranking ilusório.

Algo similar já existe no mercado de crédito, onde as pessoas são graduadas por uma nota (score) que lhes modula o valor a ser emprestado (ou não) e a taxa de juros. Ou ainda em alguns aplicativos e sites de compra, onde os usuários recebem notas à medida que os utilizam.

Mas se o mercado possui uma lógica própria a justificar um controle do risco de inadimplência ou a melhoria da qualidade do atendimento, como justificar a utilização de notas nas interações humanas diárias?

Haveria algo similar hoje em dia com as redes sociais e a busca por seguidores, comentários e curtidas nas postagens? É provável que sim, considerando-se a tendência da publicidade mundial em utilizar pessoas com elevadas “notas” (leia-se, seguidores) nas redes sociais para divulgar produtos e serviços.

Não se sabe até que ponto chegaremos com essas novas formas de interação social, mas se considerarmos o desfecho do episódio “Queda Livre”, é provável que aprenderemos de forma traumática que por pior que seja a realidade, ainda é preferível a um mundo de fantasias.

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