Quem criou Deus?

Por Leandro Lages, em LIVROS

Quem criou Deus?

23 de Março de 2016 às 03:18

Devemos acreditar em algo sem provas concretas e científicas de sua existência? Seria isso sinal de estupidez e loucura?
 
Com questionamentos desse naipe, o filósofo e neurocientista Sam Harris, na obra “Carta a uma Nação Cristã”, desfere um libelo acusatório contra o que ele entende ser uma verdadeira “irracionalidade baseada na fé”.
 
A “carta” tem um público específico: os cristãos conservadores que creem em proposições religiosas como a teoria criacionista, a virgindade de Maria, a origem divina da Bíblia e o retorno físico de Cristo.
 
O autor é bem claro quanto ao objetivo de sua obra: “Demolir as pretensões intelectuais e morais do cristianismo em suas formas mais ardorosas”. Sua preocupação funda-se na influência que a crença de cristãos conservadores exerce sobre os tribunais, escolas e esferas do governo.
 
Com base na ciência, na filosofia e em dados estatísticos, o autor refuta argumentos utilizados como sustentáculo de crenças religiosas. Como exemplos, cita que 88% dos americanos acredita na teoria criacionista, 44% da população americana considera que Jesus voltará e 93% dos membros da Academia Nacional de Ciências não aceitam a ideia de Deus.
 
Essa a metodologia utilizada em toda a obra: crítica embasada em dados estatísticos, questionamentos e argumentos científicos contrapondo proposições religiosas que, segundo o autor, não resistem a um debate lógico e racional.
 
No decorrer da obra os dogmas religiosos são apresentados por meio de várias perguntas. O Cristianismo é uma fonte única de bondade humana? Jesus foi o único mestre a ensinar as virtudes do amor, da compaixão e do altruísmo? A Bíblia é a única expressão de moralidade que se conhece?
 
A resposta do autor é imediata: todas essas crenças são falsas. Para ele, “a fé não é nada mais do que a licença que as pessoas religiosas dão umas às outras para continuar acreditando, quando não há razões para acreditar”. E vai mais longe ao vaticinar que essas proposições religiosas representam um obstáculo ao desenvolvimento de uma civilização global.
 
A obra ataca apenas a leitura que os cristãos conservadores fazem das sagradas escrituras, sem mencionar que cristãos liberais e moderados interpretam a Bíblia de outra forma, levando em consideração o contexto histórico, os costumes da época e as dificuldades de escrita e armazenamento de informações.
 
Esse o ponto de equilíbrio que faltou à obra. O autor busca negar a religião por meio de um discurso maniqueísta. Tenta argumentar que ou a Bíblia é um livro divino ou não é. Posteriormente arremata com uma falácia: se a Bíblia não é um livro divino, Jesus Cristo era um homem comum e, por consequência, a doutrina cristã é falsa e Deus não existe.
 
Nessa mesma linha, defende que a fé é incompatível com o conhecimento científico e com os argumentos filosóficos, ou seja, quem acredita em Deus nega o progresso da ciência e a filosofia.
 
Todavia, a fé representa um estado de espírito, expressão pura de um sentimento, de uma ideia impossível de ser demonstrada empiricamente. Fé é algo pessoal e que envolve um testemunho íntimo, diferente da ciência, que consiste em racionalmente provar algo a alguém.
 
Assim, não há incompatibilidade entre fé e ciência. Os propósitos de ambas são distintos. A religião ocupa-se da existência humana, enquanto a ciência busca explicar o mundo natural. A ciência não tem como explicar a fé e isso não é motivo para negar sua existência.
 
Inadmissível, também, a associação que o autor faz entre grau de desenvolvimento de alguns países e seu baixo índice de religiosidade, bem como a menção ao grau de subdesenvolvimento de outros países fervorosamente religiosos. Isso não depende de religião, mas de aspectos históricos de uma colonização predatória e da implantação políticas públicas.
 
Não foi a religião ou sua ausência que colaborou para os índices de desenvolvimento dos países. Tanto que os EUA são uma exceção a essa regra, pois apesar de seu grau de desenvolvimento, sofrem com altos índices de homicídio, aborto, gravidez adolescente e doenças sexualmente transmissíveis.
 
Ao falar da Bíblia o autor faz uma interpretação literal do seu conteúdo. Não considera o contexto histórico e cultural, bem como o sentido figurado da linguagem permeada de alegorias e metáforas que representava a forma de expressão da época. Sem falar nas dificuldades de tradução e adaptações a costumes e culturas diversas.
 
Grande parte das críticas tem por motivo a retrógrada interpretação da Bíblia realizada pela Igreja, talvez ainda saudosa dos tempos em que o poder estatal confundia-se com o poder religioso.
 
Assim, equivoca-se o autor na tentativa de negar o Cristianismo em virtude da interpretação literal de passagens bíblicas. Vários cristãos não concordam com determinadas posturas da Igreja com relação ao aborto, células-tronco, homossexualismo e utilização de meios contraceptivos. Isso não torna essas pessoas não-cristãs, pois a Bíblia é bem anterior ao surgimento da Igreja Católica.
 
A conclusão da obra remete ao fim das religiões, associando-as aos grandes problemas do mundo e como entrave ao desenvolvimento. Apesar de reconhecer que as religiões podem trazer mudanças positivas nas vidas das pessoas, sustenta que a satisfação de necessidades emocionais independe da adoção de crenças religiosas.
 
O autor também entende que as religiões tiveram importante papel nos primórdios como fator de coesão social, mas hoje são desnecessárias, pois a idealização de um Deus justificava-se apenas em épocas remotas de parco desenvolvimento científico.
 
O questionamento a respeito de quem criou Deus ainda permanece sem resposta. Os cristãos mais conservadores certamente responderão que o mais importante é a existência de Deus, e não titubearão em afirmar que o Diabo também existe e guiou a mão de Sam Harris ao redigir a obra “Carta a uma Nação Cristã”.
Devemos acreditar em algo sem provas concretas e científicas de sua existência? Seria isso sinal de estupidez e loucura?
 
Com questionamentos desse naipe, o filósofo e neurocientista Sam Harris, na obra “Carta a uma Nação Cristã”, desfere um libelo acusatório contra o que ele entende ser uma verdadeira “irracionalidade baseada na fé”.
 
A “carta” tem um público específico: os cristãos conservadores que creem em proposições religiosas como a teoria criacionista, a virgindade de Maria, a origem divina da Bíblia e o retorno físico de Cristo.
 
O autor é bem claro quanto ao objetivo de sua obra: “Demolir as pretensões intelectuais e morais do cristianismo em suas formas mais ardorosas”. Sua preocupação funda-se na influência que a crença de cristãos conservadores exerce sobre os tribunais, escolas e esferas do governo.
 
Com base na ciência, na filosofia e em dados estatísticos, o autor refuta argumentos utilizados como sustentáculo de crenças religiosas. Como exemplos, cita que 88% dos americanos acredita na teoria criacionista, 44% da população americana considera que Jesus voltará e 93% dos membros da Academia Nacional de Ciências não aceitam a ideia de Deus.
 
Essa a metodologia utilizada em toda a obra: crítica embasada em dados estatísticos, questionamentos e argumentos científicos contrapondo proposições religiosas que, segundo o autor, não resistem a um debate lógico e racional.
 
No decorrer da obra os dogmas religiosos são apresentados por meio de várias perguntas. O Cristianismo é uma fonte única de bondade humana? Jesus foi o único mestre a ensinar as virtudes do amor, da compaixão e do altruísmo? A Bíblia é a única expressão de moralidade que se conhece?
 
A resposta do autor é imediata: todas essas crenças são falsas. Para ele, “a fé não é nada mais do que a licença que as pessoas religiosas dão umas às outras para continuar acreditando, quando não há razões para acreditar”. E vai mais longe ao vaticinar que essas proposições religiosas representam um obstáculo ao desenvolvimento de uma civilização global.
 
A obra ataca apenas a leitura que os cristãos conservadores fazem das sagradas escrituras, sem mencionar que cristãos liberais e moderados interpretam a Bíblia de outra forma, levando em consideração o contexto histórico, os costumes da época e as dificuldades de escrita e armazenamento de informações.
 
Esse o ponto de equilíbrio que faltou à obra. O autor busca negar a religião por meio de um discurso maniqueísta. Tenta argumentar que ou a Bíblia é um livro divino ou não é. Posteriormente arremata com uma falácia: se a Bíblia não é um livro divino, Jesus Cristo era um homem comum e, por consequência, a doutrina cristã é falsa e Deus não existe.
 
Nessa mesma linha, defende que a fé é incompatível com o conhecimento científico e com os argumentos filosóficos, ou seja, quem acredita em Deus nega o progresso da ciência e a filosofia.
 
Todavia, a fé representa um estado de espírito, expressão pura de um sentimento, de uma ideia impossível de ser demonstrada empiricamente. Fé é algo pessoal e que envolve um testemunho íntimo, diferente da ciência, que consiste em racionalmente provar algo a alguém.
 
Assim, não há incompatibilidade entre fé e ciência. Os propósitos de ambas são distintos. A religião ocupa-se da existência humana, enquanto a ciência busca explicar o mundo natural. A ciência não tem como explicar a fé e isso não é motivo para negar sua existência.
 
Inadmissível, também, a associação que o autor faz entre grau de desenvolvimento de alguns países e seu baixo índice de religiosidade, bem como a menção ao grau de subdesenvolvimento de outros países fervorosamente religiosos. Isso não depende de religião, mas de aspectos históricos de uma colonização predatória e da implantação políticas públicas.
 
Não foi a religião ou sua ausência que colaborou para os índices de desenvolvimento dos países. Tanto que os EUA são uma exceção a essa regra, pois apesar de seu grau de desenvolvimento, sofrem com altos índices de homicídio, aborto, gravidez adolescente e doenças sexualmente transmissíveis.
 
Ao falar da Bíblia o autor faz uma interpretação literal do seu conteúdo. Não considera o contexto histórico e cultural, bem como o sentido figurado da linguagem permeada de alegorias e metáforas que representava a forma de expressão da época. Sem falar nas dificuldades de tradução e adaptações a costumes e culturas diversas.
 
Grande parte das críticas tem por motivo a retrógrada interpretação da Bíblia realizada pela Igreja, talvez ainda saudosa dos tempos em que o poder estatal confundia-se com o poder religioso.
 
Assim, equivoca-se o autor na tentativa de negar o Cristianismo em virtude da interpretação literal de passagens bíblicas. Vários cristãos não concordam com determinadas posturas da Igreja com relação ao aborto, células-tronco, homossexualismo e utilização de meios contraceptivos. Isso não torna essas pessoas não-cristãs, pois a Bíblia é bem anterior ao surgimento da Igreja Católica.
 
A conclusão da obra remete ao fim das religiões, associando-as aos grandes problemas do mundo e como entrave ao desenvolvimento. Apesar de reconhecer que as religiões podem trazer mudanças positivas nas vidas das pessoas, sustenta que a satisfação de necessidades emocionais independe da adoção de crenças religiosas.
 
O autor também entende que as religiões tiveram importante papel nos primórdios como fator de coesão social, mas hoje são desnecessárias, pois a idealização de um Deus justificava-se apenas em épocas remotas de parco desenvolvimento científico.
 
O questionamento a respeito de quem criou Deus ainda permanece sem resposta. Os cristãos mais conservadores certamente responderão que o mais importante é a existência de Deus, e não titubearão em afirmar que o Diabo também existe e guiou a mão de Sam Harris ao redigir a obra “Carta a uma Nação Cristã”.
Voltar