Refúgio

Por Leonel Veloso, em CRÔNICA

Refúgio

09 de Agosto de 2017 às 00:10

Basta eu pôr o pé fora de casa, o que tento evitar amiúde, para me confrontar com uma legião de inconformados. Sim, não posso chegar no boteco que, após cumprimentos formais e sadios, já escuto os lamentos de meus pares preocupados com a situação do mundo e acabo me contagiando, pois afinal também sou pai e não me escuso quanto a indefinição sobre os novos tempos.
Trato de respirar profundamente a espera de uma sentença que amenize toda ansiedade e me sinto surpreso quando isso ocorre. Não sei se porque vivo em um país onde a crise seja atemporal ou por entender um pouco sobre a história, mesmo superficialmente, os acontecimentos que para outros pareçam absurdo soem para mim como repetições de um passado não tão recente.
Um dia desses, lendo Balzac, dentre outros que descrevem os costumes da curiosa raça humana, me enxerguei transitando em outro tempo e me imaginei em meio aquele ambiente, tentando enxergar em mim um ser menos resignado. Se hoje os estudiosos falam de um mundo em constante transformação, que mal podemos acompanhá-lo, hesitei e regredi alguns séculos para encontrar conforto na célebre obra de Lampedusa, que dizia que “algo deve mudar para que tudo continue como está”.
Isso me trouxe alusões sobre as formas de poder com menos entusiasmos, divagando sobre o que realmente move a política – esta celeuma embriagada de proselitismo – senão o interesse próprio, e sobre como as decisões envolvem uma complexidade de fatores.
Voltando aos botecos da vida, onde o álcool nos encontra, tratando de começar mais um debate, um amigo afirma que existe uma corrente filosófica que acredita na imutabilidade das coisas, fruto do conhecimento clássico. Em seguida, outro colega acrescenta que a teoria oposta, ressuscitada por um filósofo alemão, observava que a revolução move o ser humano. Eu digo apenas: senta aí, amigo, as coisas não são tão simples assim.
A frase parece um gatilho para uma chuva de discussão. Alguns reducionistas, outros com mais profundidade, perfazem os mais polêmicos assuntos e se esbarram uns aos outros para encerrar argumentos perfeitos.
Essas situações têm se repetido de forma corriqueira. Desconfio que a infinidade de notícias despejadas diariamente e que se encontra de fácil acesso na internet seja a força que move tantos “pensadores” e os fazem brotar a cada esquina. A grande rede, que parecia ser uma ferramenta para o homem politizar-se ou tornar-se mais questionador, tem se mostrado como uma fonte superficial de informações, reforçando reuniões de clãs que mais parecem agremiações celebrando suas bobagens, como bem tem observado Vargas Llosa em seu livro A civilização do espetáculo.
Não que eu considere a internet um grande mal, penso nela como um sintoma dos tempos atuais. Certo dia tive a curiosidade de checar os sites mais frequentados pelos brasileiros. Cliquei no Google, este o mais acessado, e me surpreendi com os vinte sites mais visitados no Brasil. Acreditem, é algo para se assustar.
Retomando o imbróglio de um dia de bebedeira, todos concordavam que algo devia mudar (Ô Lampedusa), mas as contradições não fazem do filósofo de bar um impostor. Tentei colocar algo na mesa que soasse polêmico para germinar um raciocínio, mas passei batido. Percebi então que a eloqüência e a persuasão do interlocutor se mostram mais fortes que o conteúdo. Eis que me peguei arrependido por não ter ficado na minha.
Em meio à enxurrada de argumentos, cheguei a tal ponto que disse aos amigos: “calma, profetas, problemas complexos não possuem soluções fáceis!” Uns me olharam em revés, outros se sentiram ofendidos, mas ninguém entendeu. Tomamos a saideira, nos despedimos com abraços efusivos e fui pra casa ruminando a sentença “viver é um ato político” – proferida por um companheiro – para entender o porquê da minha preferência em buscar refúgio na pureza das artes e literatura.
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