01 de Novembro de 2025 às 14:19
A “nova onda” do cinema francês, mais conhecida no Brasil como Nouvelle Vague, influenciou sobremaneira o cinema mundial. A quebra de paradigmas acadêmicos e industriais formados por anos de aperfeiçoamento do cinema, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa, influenciou como outros países e suas respectivas formas de enxergar o cinema lidariam com a nova realidade.
Não foi diferente do Brasil: o Cinema Novo veio para destacar de vez a forma autêntica em que o Brasil produzia cinema. Focado nas desigualdades regionais e na luta de classes, o Cinema Novo trouxe ao Brasil uma forma nova de lidar com a periferia da produção audiovisual. E fez isso muito bem, servindo como um ponto de intersecção do cinema clássico brasileiro com as novas ondas contemporâneas.
E também não foi diferente no Japão: a Nuberu Bagu foi uma importante onda de transição no cinema japonês. Contudo, o Japão acabava de sair de sua Era de Ouro, com um cinema extremamente técnico, apurado, sensível e influente. Yasujiro Ozu, Kenji Mizoguchi e Mikio Naruse são três dos maiores diretores de todos os tempos, tendo produzidos, juntos, dezenas de filmes tecnicamente impecáveis. Os seus cinemas eram influenciados, principalmente, pela derrota do Japão na 2ª Guerra Mundial, o que gerou uma onda de desigualdade social, ocupação militar dos Estados Unidos no Japão e, sobretudo, em consequências a estes dois fatores, uma mudança substancial na sociedade japonesa.
Este plano de imanência foi, durante o período em que a Era de Ouro vigorou, um dos maiores férteis para a produção artística do cinema no mundo. Arrisco dizer que, enquanto Ford, Welles e Rossellini faziam um cinema formidável, a Santíssima Trindade do cinema japonês construía com pilares de ouro as novas formas em que o cinema seria visto.
Tudo isto nos leva a crer que o desafio da nuberu bagu japonesa era estrondoso. Suceder a um período tão fértil e importante do cinema precisaria romper as barreiras da moral. Foi o que, entre outras coisas, fez o cinema francês com a nouvelle vague. Truffaut e Goddard e muitos outros trouxeram temas existenciais e políticos. No Japão, Seijun Suzuki, Masahiro Shinoda e, principalmente, Nagisa Oshima, precisariam romper as barreiras da moral do cinema japonês.
Curiosamente, a forma como isto se deu foi bem diferente da forma como os franceses fizeram. A iniciativa era financiada pelos grandes estúdios, com produções formidáveis. Pouco depois, pelo caráter desafiador e irreverente da nova onda, os filmes passaram a ser produzidos independentemente. Alguns dos filmes notáveis são TokyoDrifter (1966), Noite e Neblina no Japão (1960), The Face Another (1966) e O Homem Que Deixou Seu Testamento em Filme (1970). Paralelo a este cinema, o Japão continuava pleno na produção de filmes de kaijus e algumas outras produções de filmes de samurai, além de um excelente leque de filmes de terror.
No Brasil, o Cinema Marginal pretendia romper com o Cinema Novo. O Cinema Marginal era o resultado da forma com que o Brasil lidaria com a ditadura militar e as repressões do AI-5. Influenciado pelo tropicalismo e rejeitando os novos estilos franceses, criaria um cinema único e de resistência. Produtoras independentes teriam a difícil tarefa de desafiar um modelo que tinha gerado ao Brasil reconhecimento internacional.
O enfoque desse cinema estava no grafismo do terror, do sexo e da violência. Júlio Bressane, Neville d'Almeida, Rogério Sganzerla e José Mojica Marins são grandes exemplos de um cinema pautado no desafio. Era necessário para desafiar e se fazer ouvido, o que se assemelha, em muito, a nuberu bagu japonesa. Ótimos exemplos deste cinema são Mangue-Bangue (1971), Jardim de Guerra (1968), Meteorango Kid, Herói Intergalático (1969) e Matou a Família e Foi ao Cinema (1969).
Muito embora os diretores japoneses tivessem grande influência dos franceses, aqueles têm muito mais em comum com os brasileiros. É importante notar que Brasil e Japão tinham como objetivo saírem de uma amarra. Esta amarra sempre recairia no fato deste cinema ser periférico e precisar denunciar um abuso.
O Cinema Marginal era mais próximo do cinema trash, filmados, sobretudo, em 8 e 16mm; enquanto a Nuberu Bagu ainda permitia certa dose de requinte pelas câmeras de antes. A forma como eram filmados, entretanto, não separam a mensagem trazida.
O momento em que estes dois cinemas se debandarão, inclusive, coincidem. O Brasil teria um cinema mais aberto às produções de emissoras de TV e nas chanchadas. O Japão abriria mais seu escopo a um cinema desafiador, liderado principalmente por Oshima, e pelos belíssimos filmes de ação, sobretudo os focados na Yakuza.
Ainda que distintos em muitos termos, ambos os cinemas têm uma ligação latente. A Nuberu Bagu é por demais distinta da nova onda francesa e do Cinema Novo brasileiro. O Cinema Marginal, contudo, por sua excentricidade e peculiaridade, encontra dificuldades em encontrar um correspondente, mas é na Nuberu Bagu japonesa que, curiosamente, mais se assemelha.
O objetivo aqui não foi traçar linhas acadêmicas, mas tão somente demonstrar como dois países, tão distantes, são interligados culturalmente e por uma aura metafísica que impressiona. Ver um filme Oshima é como ver um filme de Bressane.
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