Rosetta e Dois dias, uma noite (Bélgica, 1999 e 2014)

Por Raul Lopes, em CINEMA

Rosetta e Dois dias, uma noite (Bélgica, 1999 e 2014)

28 de Janeiro de 2015 às 13:54

“Andorinha lá fora está dizendo:
-Passei o dia à toa, à toa.
 
Andorinha, andorinha, minha canção é mais triste:
-Passei a vida à toa, à toa”

Manoel Bandeira

O drama contemporâneo da crise político-social do pleno emprego bem que poderia esgotar a pretensão dos irmão Luc e Jean-Pierre Dardenne para essas duas premiadas produções. No entanto, o que nos salta aos olhos, em ambos os casos, é um sensível drama sobre a solidão e a melancolia hodierna.

Em Rosetta, a protagonista que leva o nome do filme, vive com a mãe alcoólatra num trailer e luta para conseguir um emprego. Já em Dois dias, uma noite, Sandra (Marion Cotillard) será despedida durante um período de baixa, provocado por uma depressão econômica, no entanto, poderá reaver o seu trabalho se convencer a maioria dos seus colegas a abdicar de um bônus no valor de mil euros em troca de sua permanência.

As protagonistas têm muito em comum e se alinham, principalmente, pela necessidade/vontade de ter um emprego. São movidas por esse desejo, querem sair da tristeza em que se encontram e o portal para essa mudança seria a “rotina” do trabalho.

A roda viva dos dias atuais não nos permite ter autonomia dos nossos “quereres”, o dia se tornou tão sistemático que não possibilita qualquer mudança de roteiro. Não é tarefa difícil descrever com riqueza de detalhes os locais e as atividades que faremos nas próximas 72h, e o mais interessante é que por maior que seja o esforço, dificilmente conseguiremos modificar essa trajetória.

A rotina é melancólica e para fugir dessa estagnação cria-se uma ideal, um turning point, que uma vez ocorrendo, tudo que está ao seu redor restará modificado, perfeito e encaixado.

Em Dois dias, uma noite a melancolia e, principalmente, a angústia fazem com que a personagem tenha medo da mudança. A força que existe para mudar é proporcional ao medo de não suportá-la.

As produções expõe um mundo duro, difícil de viver e que se deve matar um leão por dia. A primeira explora a classe dos esquecidos, dos marginalizados e sem esperança; a segunda, a classe trabalhadora, que almeja um lugar ao sol. O realismo é bastante explorado, a câmera não dá fôlego, segue as protagonistas durante todo o filme, deixando o espectador em certos momentos sufocado.

Os filmes exploram uma realidade contemporânea com sentimentos atemporais, as crises econômicas, a dificuldade de encontrar um emprego, a dificuldade de permanecer no emprego, permeiam ambas as produções retratando um problema comum em todo continente europeu.

Enquanto Rosetta parece ser uma tragédia inevitável, Dois dias, uma noite nos dá esperança desde os primeiros minutos. A esperança vem pela compaixão, atitude bem explorada pelos irmãos Dardenne que bebem diretamente na fonte do Neorrealismo e de diretores como Pier Paolo Pasolini.

A câmera muito próxima dos atores, ausência de trilha sonora e longas tomadas são características dos dois filmes, não espere roteiros intrincados, armas ou assassinatos, junte as peças e monte seu quebra cabeça de sentimentos.

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