Still The Water (Jap/Esp/Fra, 2014)

Por Diego de Montalvão, em CINEMA

Still The Water (Jap/Esp/Fra, 2014)

18 de Outubro de 2014 às 01:26

A civilização ocidental falha em abordar a morte. Atualmente vive-se ignorando o inevitável. A vida requer decisões imediatas e austeras com intuito de sustentar/suportar o cotidiano. Desafio qualquer leitor a recordar sobre a última vez pensada sobre a finitude do ser. Desafio ainda mais: qualquer vocábulo pesquisado a respeito da morte terá sempre seu sentido estrito definido em última instância, quiçá em entrelinhas. Hoje morrer é desacerto, quase uma anomalia.

             Dentre as muitas ideias abordadas em Still the Water, inevitável não apontar a discussão sobre o “não ser”ou, pelo menos, sobre a passagem da vida para a morte. O nada é ausência de vida, é aquilo que não é. Em seu último Longa-metragem, Naomi Kawase usa como subterfúgios as descobertas de um casal adolescente para materializar uma discussão sobre a beleza de estar vivo e de morrer.

                O enredo se passa em uma pequena cidade da costa japonesa. Kaito (Nijirô Murakami) é um adolescente enamorado de Kyoko (Jon Yoshinaga). Esta é a jovem filha de Isa (Miyuki Matsuda), uma Xamã acometida por uma doença terminal que se encontra em vias de despedir deste mundo. Kaito ama Kyoko, porém cerca-se de dúvidas que permeiam seu descobrimento sobre o amor, posto que seus pais sejam divorciados. O idealismo de Kaito está em rota de colisão com o certeiro amor de Kyoko, este ferido pela iminente perda de sua mãe. Por que nascemos e vivemos? – Angustia-se Kyoko, em um dos momentos sublimes do filme.

                Poucos são os que vivem sabendo quando vão morrer. Existe consenso na psiquiatria, para os que lidam dia-a-dia com a morte, orientar aqueles que estão em “sentença de morte” a aproveitar os momentos com os entes queridos e viverem seu dia como se fosse o último. O surpreendente é perceber a transcendência dos que estão à beira do abismo.  Hans Castorp, em a Montanha Mágica, redescobre o que é viver com a implacável tuberculose. No famoso romance de Thomas Mann, o protagonista, carente de tempo de sobrevida, vivencia suas maiores experiências impulsionado pelo diagnóstico que sela seu destino: “O que ganhei foi precioso. Acima de tudo, a companhia constante da doença ensinou-me o que significa viver, não enganar a morte, a convicção de que todos tentamos equilibrar no mais delicado dos fios: a certeza de que a única maneira de viver é amando a vida.”

Naomi Kawase é detalhista. Ao retratar a natureza, a direção lembra grandes mestres do cinema como, por exemplo, Andrei Tarkovsky, Bella Tarr e Theo Angelopoulos. Seu olhar documental torna “A Árvore da Vida”, de Terrence Malick, um filme superficial, visto a abordagem realista lançada ao filme. O estilo anti-hollywood da diretora requer poucos diálogos para materializar suas ideias. As imagens sobre a natureza atreladas ao silêncio dos personagens dizem mais que mil palavras. O filme que participou da seleção oficial do Festival de Cannes, deve bem mais à singeleza transvestida em seus personagens do que pela inovação. Still the Water é um filme com ideias velhas porém com traquejo universal, daqueles que norteiam o viver sem esquecer que a beleza da vida está  nas pequenas coisas do dia-a-dia, basta permiti-las aflorar na trivialidade que lhes cabe, deixá-las emergir no cotidiano.

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