Submissão (França, 2015)

Por Diego de Montalvão, em OPINIÃO

Submissão (França, 2015)

10 de Agosto de 2016 às 03:00

Em 1964, o genial Stanley Kubrick lançava Dr. Strangelove, cujo o subtítulo How I Learned To Stop Worrying And Love The Bomb atestava o tom satírico da obra. O filme, focado em ridicularizar a guerra fria, retratava, mesmo ironicamente, o grande temor vigente das armas atômicas que, em última instância, seriam capazes de dizimar boa parte da humanidade.
Com o passar do tempo, tal ameaça se tornou lânguida e arrefecida pelos novos mecanismos de poder e posicionamentos geopolíticos. As décadas seguintes de bonança, pelo menos para os países do primeiro escalão, apagaram o medo de uma guerra entre soviéticos e norte-americanos.
Transpondo esta ideia para os dias atuais, um bom número de intelectuais afirma que a civilização ocidental padece de um novo período crítico. Submissão, o novo livro de Michel Houellebecq, que bem poderia ter o mesmo subtítulo de Dr. Strangelove, surge como uma análise deste novo tempo de incerteza que, por sua instabilidade, seria o responsável pelo crescente domínio muçulmano nos países ocidentais. O próprio autor, refutando o ar premonitório que muitos críticos insistiram em imputar a sua obra, preferiu situar o enredo do livro como “algo a se temer”, recusando-se a profetizar a política francesa dos próximos anos.
Em um eventual ambiente de crise, a trama se desenvolve intercalando personagens fictícios a figuras reais. Houellebecq traça um panorama político da França em 2022, onde Marine Lepen, da Frente Nacional, e Muhammed Ben Abbes, da Fraternidade Muçulmana, disputam o segundo turno das eleições presidenciais da França. A corrida eleitoral é acompanhada por François, um professor da Université Paris-Sorbonne, que vive um eterno dilema sobre o real sentido de sua existência, atormentada pela ausência de fé, mas que prefere sublimar suas angústias em relações sexuais com suas jovens alunas.
François, que se considera apartidário e sem gosto pela política, fatalmente se vê inserido nas mudanças quando percebe que o teor conservador e centralizador de ambos partidos afetarão o ambiente universitário e, por fim, o modo de viver ocidental pautado no humanismo. Muhammed Ben Abbes, com seu tom hábil e agregador, acaba por levar a Fraternidade Muçulmana à presidência da França.
Em meio a esta interessante e complexa ambientação, Houellebecq aborda as forças que atuam nos bastidores da política francesa, como o Movimento Identitário e o Jihadismo; flerta com a literatura francesa e mundial, por meio do escritor naturalista Joris-Karl Huysmans, Voltaire e do filósofo Nietzsche; e faz um paralelo entre a história do Império Romano, da França e da tentativa de Ben Abbes em ressuscitar o Império Otomano, instalando uma dominação muçulmana no território europeu.
Polêmicas a parte, como a data do lançamento do livro coincidir com o ataque à sede do jornal Charlie Hebdo, ou as acusações de xenofobia e de exaltação ao islamismo; Houellebecq é um escritor ganhador do prêmio Goncourt, o mais importante da França - um país celeiro de grandes escritores e de muitos leitores – que chega ao seu sexto romance, uma obra interessante e madura, fazendo jus a uma consideração que Oscar Wilde fez sobre o trabalho de um artista: “A diversidade de opinião sobre uma obra de arte demonstra que tal trabalho é novo, complexo e vital.”
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