
25 de Março de 2022 às 14:55
Se aprendi a respirar, foi para o mergulho no imenso. Todo ar que guardei foi para perder o fôlego.
Esta é a história de uma força que se multiplica ao infinito, uma necessidade, uma fome elegante que se reinventa, o desejo vivo, a correr. O ar que chega aos alvéolos e divide-se; a hematose que põe cada elemento no destino de sua função.
Nesse ímpeto, contraditoriamente sutil, vou no ritmo da delicadeza, na maciez do tempo de quem observa e alimenta a substância devagarinho. Como a conquista da confiança de um gato,
O olhar fixo, um passo e uma pausa.
Olho para o amor como olho para o mar.
Miro o horizonte distante, a imensidão aos meus pés, o perigo, a vida e o mistério
Tudo a caber na minha perspectiva
Nada se enquadra e tudo cabe
Observo o vai e vem das ondas antes de mergulhar e,
aos poucos,
caminho em sua direção
Ponho os dois pés e contemplo, mais uma vez
Toco minhas mãos na água e sigo adiante
Paro, fecho e abro os olhos, respiro fundo
Todas as notas da clave de sol na música que a água dança, o som mais bonito que já ouvi
Como o drama e a sensualidade do tango Adios Nonino, no volume controlado pelo vento
Molhada dos pés à cabeça, mergulho
Mergulho
Meus olhos estão cerrados, não quero abri-los
Não agora
Nesse instante eterno de submersão mora a vida inteira
Nenhuma parte de mim toca a superfície
Não quero escafandro, prefiro sentir o naufrágio
Meu corpo dança naquela coreografia do absurdo
As cores e o cheiro da água, sua luz e seu gosto já são meus
O perfume do meu corpo já não é o mesmo, o da água também não
Meus cabelos livres
Minha mãos tocam a próxima onda,
A próxima onda, maior do que eu e do que a minha força de suportá-la em pé,
Abraça e perpassa meu corpo, morre nos meus pés
O céu inteiro assiste,
As nuvens esparsas vêm ao nosso encontro
Trazidas pelas correntes de ar
Nessa orquestra, tudo acontece sob a batuta delas,
Admoestam o próprio mar.
Eu e o mar, que tem a profundidade e a dimensão do meu amor
Sou pequena diante dele, que me engole e cospe de volta à areia
Molhada, derramada, salgada, sem ar
Sem fôlego,
Quase morta
E muito mais viva
Viva
Todo o ar que guardei foi para esse mergulho. No imenso.
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