Under The Skin (USA, 2013)

Por Diego de Montalvão, em CINEMA

Under The Skin (USA, 2013)

16 de Setembro de 2014 às 01:01

Alexander, nosso irmão mais velho, 
Partiu para uma grande aventura
Ele Rasgou nossas imagens de suas fotos
Ele apagou nossos nomes desuas cartas
Nossa Mãe devia apenas tê-lo chamado de Laika
Arcade Fire

 

Ao olharmos a história da humanidade, percebemos uma eterna luta pela liberdade. Seja em âmbito individual ou coletivo, o ser exerce busca incessante para seguir sua essência prioritariamente. Entretanto, ser livre carrega uma angústia filosófica que destoa do sentido quase impoluto que muitos, inadvertidamente, imputam ao termo Liberdade. Under the Skin, longa-metragem baseada no livro homônimo de Michael Faber, experimenta dissecar o que é ser Humano, tendo como norte a problemática que a liberdade encerra em si.

O enredo de Under the Skin gira em torno de um alien que, camuflado na pele da atriz Scarlett Johansson, ronda as ruas da Escócia em busca de homens que são facilmente atraídos pela beleza do invólucro que cobre sua verdadeira identidade. A medida que suas presas aumentam em número, o invasor não consegue manter-se distante ao temperamento dos  vítimas. Seu estranhamento cresce de acordo com os sentimentos que, mais do que pertubar a moça, lhe trazem um ar de interrogação e curiosidade a respeito da dimensão humana. A partir desta intriga, segue-se uma narrativa não linear e pouco estruturada adentro a mente da personagem central.

A personagem Julie, de A Liberdade é Azul, interpretada por Juliette Binoche, tenta reconstruir sua vida após a perda da filha e do marido. Ao ponto que resolve se desvencilhar de tudo que recorde sua antiga família, ou seja, exerce sua liberdade para seguir uma nova vida, Julie se depara com o sofrimento que suas escolhas são capazes de causar. Como bem versa Caetano Veloso em Dom de Iludir: “Cada um sabe a delícia e a dor de ser o que é”, o alienígena interpretado por Scarlett Johansson, em Under the Skin, experimenta na pele o que é viver como Humano, e como ela se comporta como produto de suas escolhas, tornando clara a real intenção do diretor Jonathan Glazer ao realizar seu mais recente longa-metragem.

Discutir Under the Skin é discutir filosofia. Afinal, as perguntas que atemorizam a protagonista (O que é ser humano? Como se constitui e como pode ser definido?) são os questionamentos que o homem faz pra si desde que se deparou com sua consciência em algum ponto da história. Embora a proposta do filme não seja buscar resposta, porém indagar amiúde o telespectador com os mesmos questionamentos, a jornada da moça parece seguir fielmente os preceitos da corrente filosófica do Existencialismo.

A escola Existencialista defende que, no homem, a existência precede a essência. Sartre diz “que o homem primeiro existe, se descobre, surge no mundo; e quer só depois se define.” Aprofundando-se ao tema, o homem inicialmente não é nada, só posteriormente será alguma coisa tal como ele se concebe depois de existir, para então construir sua essência, a partir de seus atos e impulsionado por suas ações. Estas premissas libertam o ser humano e o tornam mentor de sua vivência, contrariando os conceitos vigentes até então, que diziam que a providência divina se comportaria como senhora de nosso destino, retirando a responsabilidade dos homens pelos seus atos. Desta maneira, o que vemos no filme é a total atribuição de incumbência ao personagem de Scarlett Johansson. A partir do momento em que a mesma se comporta como Humano, há o desenrolar de acontecimentos enriquecedores e, ao mesmo tempo, trágicos. 

Se a película carece de profundidade ao debater questões humanas, o mesmo não se diz quanto ao estilo cinematográfico do diretor. Utilizando-se de uma narrativa intensa, a trama se desenvolve e torna a experiência de ver o filme uma sensação prazerosa e angustiante. A escassez de diálogos, a trilha sonora obscura, o manto preto sobre o assoalho do casarão onde a moça vitimiza suas presas e o “renascimento” da personagem sobre uma névoa que lhe causa cegueira são todos artifícios sabiamente construídos para materializar em imagens o enredo denso do longa-metragem. Neste ponto, o cinema de Jonathan Glazer é dotado de personalidade, formando um misto de quebra-cabeça cinematográfico bastante estético, mas também nebuloso, sem claridade.

O que sobra do filme é ousadia estética. Embora tenha sido vaiado no Festival de Veneza e dividido as críticas, Under the Skin é um thriller que prioriza a beleza da fotografia. Mesmo com uso de argumentos bizarros e, em até certo ponto, excessivos, a jornada metafísica do Alien serve mais para despertar dúvidas e questionamentos, do que responder problemas triviais ou filosóficos do nosso cotidiano. Tal como a personagem central, Jonathan Glazer se mostrou fiel a sua essência, funcionando como metáfora de sua própria obra, ao exercer sua autonomia em criar e se comportar como artista, vivenciando as conseqüências que Sartre determinara, quando afirmou que o “homem estaria condenado a ser livre”. 

Voltar