A beleza - fundamental

Por Márcio Barros, em OPINIÃO

A beleza - fundamental

24 de Abril de 2018 às 15:24

No documentário  Why Beauty Matters de 2009, transmitido pela BBC, o filósofo inglês Roger Scruton argumenta provocativamente que a arte do século XX (principalmente o que se convencionou chamar de artes plásticas) virou as costas ao seu principal elemento existencial, a beleza, e que vem se tornado cada vez mais vazia e repetitiva, transformando-se numa eterna e maçante reedição de A Fonte, obra-protesto-piada de Duchamp de 1917.

Apesar da formação conservadora, Scruton não faz apologia carola do retorno a um passado idílico ou protesto requentado contra as vanguardas, pelo contrário, deixa claro que é por meio destas que as artes se oxigenam,seguem por novas direções, quando as formas de expressão de um período já não são capazes de captar o espírito do tempo. Foi assim com Dante Alighieri, Bach, Picasso, Pessoa, Villa Lobos,... Todos foram vanguarda em suas épocas, de algum modo, e romperam com as amarras da forma em seus respectivos campos, quando acharam necessário.

O problema é quando esse “rompimento” tem o objetivo único e indigente de chocar. A ruptura pela ruptura. O choque contra “costumes” como o valor máximo de uma obra de arte. Os grandes gênios das artes geralmente provocam, causam incompreensão, mais como um elemento incidental do que por um ideal per si. Dante, quando decide escrever seu épico num dialeto vulgar, o toscano (atitude polêmica na época), não o fez para provocar ou romper. Simplesmente acreditou que aquela seria a melhor forma de expressar sua poesia naquele momento, apesar de dominar o Latim erudito. Acabou, com isso, moldando o idioma italiano moderno.

Para romper com uma forma é preciso conhecê-la, antes de tudo. Manuel Bandeira sentiu que, num dado momento, as redondilhas maiores e a linguagem parnasiana pomposa, que conhecia como ninguém,  não serviam para expressar a degradação metropolitana moderna na imundície de um pátio. Pablo Picasso, antes de revolucionar a linguagem da pintura com seus processos de colagem, conhecia e dominava os estilos tradicionais, como ilustrado abaixo:

 

Mas o artista Cubista não existiria sem o das fases azul e rosa. Foi apoiado na tradição que conseguiu ir mais longe. Quando o pintor expõe os horrores de uma guerra, em Guernica, numa forma totalmente revolucionária, estão ali implícitos séculos de conhecimento artístico e cultural e conseguimos admirar a beleza que o artista consegue extirpar até mesmo das maiores atrocidades e degradações.

Porém, quando alguém enlata seus próprios excrementos numa exposição, “apresenta” um crucifixo mergulhado em urina, ou quando um grupo performático promove uma orgia pública em um museu, só está evidenciando o caráter brutal e grotesco da realidade, sem o sentido de transcendência Imantado na superfície de todas as coisas, que só os verdadeiros artistas conseguem ver. Mas esse é o preço que se paga quando se vira as costas à beleza e à sua tradição milenar.

Voltar