A Casa do Fim dos Tempos (Venezuela - 2013)

Por Wilson Araújo, em CINEMA

A Casa do Fim dos Tempos (Venezuela - 2013)

03 de Dezembro de 2014 às 12:32

O medo, de alguma forma, sempre fascinou o homem. Fosse para personificá-lo, exorciza-lo em terceiros, para conhecimento, desconhecimento. Tudo ou nada.

O homem teme e usufrui de seus medos. No princípio dos tempos o homem temeu o relâmpago e o fez deus com seus sacrifícios de sangue, temeu a Deus e criou as leis, temeu as leis e criou as penas, temeu as penas e criou a revolução. Temeu o próximo e criou as guerras, temeu a derrota e criou a estratégia. O homem corajoso não teme ter medo. Com medo da fruição de seus desejos naturais, cria-se o tabu. Nasce o símbolo por medo do ego, o culto a este por medo do significado.

Em todas as culturas do globo, independente de tempo ou espaço, histórias de terror caminhavam junto com a educação cultural. Fossem as tradições dos antigos celtas para afastar os maus espíritos (All Hallow Evening, que originou o hallowen), as bruxas queimadas da Europa medieval, os contos de fadas primitivos (Bela Adormecida estuprada, Chapeuzinho Vermelho devorada). Vampiros (que, curiosamente aparecem nas culturas do mundo todo), lobisomens, os Onis do Japão, a Cuca e o Boi da Cara Preta. É inegável o apelo ao terror no desenvolvimento de uma consciência coletiva cultural.
 
 
O medo civiliza, adormece o homem, é implantando o medo que se entorpece uma nação, até um herói salvá-la e assumir o controle da massa. O desconhecido amedronta e o homem tem horror à novidade, assim como da morte, embora só com a morte o homem livra-se do medo do novo.

Foi então que o homem começou a “enlatar” estes medos. Produziu livros clássicos, contos, quadros, fotografias, criptologia, cinema, música. Aliás, foi na porta de um cinema que exibia filmes de terror que um grupo de garotos de uma banda mediana de blues teve a ideia: “se essas pessoas pagam pra ficarem com medo, porque não fazemos música para assustá-las?”. Surgiu o Black Sabbath...

 De todas as artes do terror, o cinema, talvez, seja o mais bem sucedido. Não que seja o entretenimento preferidos de boa parte das pessoas ficar com medo assistindo um filme (alguns preferem ir à Igreja), mas o fato é que o cinema de terror-suspense produziu clássicos inegáveis como O Iluminado (Stanley Kubrick), O Inquilino (Roman Polanski), O Bebê de Rosimary (Roman Polanski), Psicose (Alfred Hitchcock), etc. outros, embora longe de serem considerados “cult”, mantêm uma legião de tietes fieis, e com merecimento, como: O Sexto Sentido (M. Night Shyamalan), O Grito (Takashi Shimizu), O Chamado (Hideo Nakata), O Exorcista (William Friedkin ), Rejeitados pelo Diabo (Rob Zombie), etc.

Todavia, é notório que a despeito de tantos clássicos, nos últimos tempos a produção do gênero deu uma recuada. Talvez por esgotamento de recursos cênicos, talvez por concorrência com internet, e outros fatores. O cinema de Hollywood mais copia o Oriental, enquanto este anda em círculos.

Assim é que, ao assistir o desenlace de A Casa do Fim dos Tempos, a reação imediata é um sonoro e poderoso “PUTA QUE O PARIU”, com um sobressalto na poltrona carcomida, cuspindo o gole de cerveja recém sorvida. Não há expressão mais adequada e eloquente que esta (obrigado, Veríssimo).

 

 

Outros filmes e histórias passaram por momentos parecidos, quanto às surpresas e inovações. Em Os Outros (Alejandro Amenábar) há um final surpreendente; em O Mistério da Libélula (Tom Shadyac), o laço familiar é realmente tocante; na saga d’O Pistoleiro (Stephen King) a maldição do eterno retorno angustia; em Interestelar (Christopher Nolan) as teorias quadridimensionais dão uma fascinação curiosa. Agora misture tudo, ponha uma pitadinha de leve de Von Trier de sofrimento humano e voilá... A Casa do Fim dos Tempos!

O filme é sim, uma grata surpresa, mesmo a quem não goste do gênero terror. Ele ultrapassa o estereótipo. Há uma profundidade filosófico-dramática que permeia as intricadas razões da alma humana. É onde se encontra o limiar entra a loucura e coragem, medo e ascensão. Diz-se que na derradeira borda do Universo o tempo chega também ao fim e ao começo ao mesmo tempo e surge o maior paradoxo do Universo, irresolvível, quando no fim/começo, Deus cria o primeiro dos seres, Ele Mesmo.

A Casa do Fim dos Tempos abre as portas ao cinema venezuelano, encolhido entre Hollywood, os diretores internacionalizados brasileiros e o ascendente cinema argentino, mas que se espera outras obras como essa.

Não temam, é só um filme, ou talvez, quem sabe, o relato de uma noite qualquer.
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