A Educação no paradigmático reino de bragunça

Por Francisco Meton Marques de Lima, em OPINIÃO

A Educação no paradigmático reino de bragunça

23 de Janeiro de 2023 às 14:10

Era uma vez, no reino muito distante de Bragunça, o povo era feliz porque vivia na mais original alienação, ignorando até sua mais profunda ignorância, na mais deslavada frouxidão moral, subornado pelo governo por um punhado de farinha e diplomado por decreto, sem o mínimo conhecimento de nada.

O Rei Bandulaire era muito popular, falava uma língua diferente da de seu povo e detestava professor e trabalhador. Para ele, todos deviam ser empresários, ainda que a burocracia pesada consumisse nos atos de autorização todo o capital que seria inicial.  O Conselheiro da educação era o Dr. Zeriskerd, competente solucionador de nada. Outro Conselheiro importante era o das finanças públicas, o Dr. Dolamen, que falava pausado e seguro da bagunça que era sua pasta. O Intendente Paraguassu fazia as vezes de Primeiro-Ministro, cuja função era de leva e traz de informações, ou melhor, de fuxicos.

Não se sabe por que, era um mistério. Nesse grande reino, as crianças das escolas públicas do ensino fundamental não estavam aprendendo a ler. Não passavam de ano. Mesmo com professores bem remunerados, ganhando algo mais que um salário mínimo, estimulados, prestigiados, com toda a autoridade na sala de aula. Era um mistério. Isso incomodava as autoridades porque desprestigiava o governo perante seus concorrentes externos. Então o alto Conselho do Governo adotou uma medida de choque para resolver tão grave problema: o Rei Bandulaire e o Ministro Zerisquerd editaram uma lei que obrigava os professores a declarar a aprovação dos alunos reprovados na escola pública.

Porém, como uma sequência de dominó caindo, o problema foi empurrado para o 2º grau. E os jovens que vieram dessas (re)(a)provações não conseguiram concluir o 2º grau, o que, novamente, repercutiu negativamente na imagem do país. Então, as eminentes autoridades adotaram o mesmo método para corrigir esse grave problema do ensino público: determinou que, a partir dos 18 anos de idade, basta o jovem obter alguns pontos na prova do ENE (Exame Nacional do Ensino), que era adotado naquele reino, para receber o diploma de conclusão do 2º grau. Assim, o país de Bragunça melhorou estatisticamente seus índices educacionais.

Todavia, o dominó continuou caindo e empurrando a próxima pedra. Tais jovens não conseguiram aprender a escrever o mínimo. Resultado: notas baixíssimas na prova de redação do ENE e zero a balde. Novamente a pena do Rei Bandulaire entrou em ação: baixou o valor da prova de redação. Assim, a nota baixa nessa prova, ou mesmo o zero, vai interferir menos no resultado final do candidato, facilitando a entrega do diploma de 2º grau sem aula nem saber.

Mais uma dificuldade se interpôs com a outra pedra do dominó caindo: os jovens não estavam conseguindo se entender com a química, a física e o raciocínio humano abstrato da filosofia. E o competente Ministro Zerisquerd, da educação, juntamente com o poderoso Ministro Dolamen, da Fazenda, encontraram uma eficiente solução barata, pois gastar dinheiro com educação era considerado um desperdício naquele reino: retirar a obrigatoriedade dessas disciplinas foi a solução. Com isso, liquidaram mais uma dor de cabeça dos estimulados professores e dos (des)preparados alunos.

No entanto, as pedras do dominó continuaram empurrando a próxima pedra. E novo gargalo se interpôs na que seria livre caminhada.

Esses muito preparados e estimulados jovens não estavam conseguindo ingressar na universidade pública, para onde acorrem os melhores alunos dos melhores colégios da rede privada. Mais uma vez se removeu o biombo da ineficiência do ensino público: instituir cotas. Com efeito, é sabido que a pontuação dos cotistas é anos-luz abaixo dos pontos dos não cotistas que sobraram das vagas normais.

Pelo andar da carruagem, um dia desses, agentes da educação de Bragunça peregrinarão pelos bares oferecendo diplomas, como quem entrega panfletos, e terão dificuldade de se livrarem deles.

Para atar as pontas da (in)competência das autoridades daquele paradigmático reino, o paço seguinte será instituir cotas nos concursos públicos para os candidatos egressos da escola pública de 1º e 2º graus, conforme já consta dos elevadíssimos estudos dos Ministérios da Educação e das Finanças Públicas (já que não se faz nada sem dinheiro naquele reino, e educação ali é coisa séria).

Depois de todo esse exemplar círculo de soluções, o povo daquele país terá o serviço público e privado de melhor qualidade do mundo, inclusive, e principalmente, o da educação, retornando ao estado de natureza, às cavernas, comendo com as mãos em talhas de pedra, utilizando paus e pedras como armas de defesa e ataque.

Tomara que o Brasil não se espelhe na educação do próspero reino de Bragunça!

Nesse abençoado reino resolveram também o problema da Justiça.

A Constituição redemocratizadora daquele país declarou direitos demais, como direito de viver, de ir para a escola, de ter uma moradia, um prato de comida, assistência médica etc., coisa de louco.

E como a estrutura judiciária não dá vazão à demanda, a alta cúpula do Poder Postergador vem encontrando soluções: criou uns órgãos compostos de juízes leigos, (muitos dos quais, como, aliás, tantos titulares desse Poder, também provieram das cotas educacionais acima relatadas), para economizar gasto público e conciliar os conflitos. Campanhas e mais campanhas de conciliação, uma maneira de baixar processos sem julgamento. Semanas e semanas de conciliação na execução, maneira de se livrar dos incômodos processos executórios. Melhor aceitar os piores acordos, se não quiser deixar a eventual vitória para o espólio. Aliás, um inventário leva tanto tempo que, no curso do tempo, outros inventários (dos herdeiros que vão morrendo) vão se habilitando na herança.

Digamos, para não resolver nada, frustrando as partes, encurraladas, ante a falta de perspectiva de julgamento nas mais de meia dúzia de instâncias (três ou quatro na fase de conhecimento e outro tanto na de execução), dado que, quem vai a juízo, está querendo um provimento judicial.

A alta cúpula do Poder Postergador daquele país vasculhou o problema da superlotação das penitenciárias e mandou soltar os presos por falta de julgamento. Ou seja, a inoperância da máquina judiciária gera direito de liberdade dos presos provisórios. O Ministro das Questões, o Dr. Descabelado, deslancha campanhas e mais campanhas contra os vencidos.

O Presidente da Supimpa Corte de Correção chefia o movimento de colocar o trem nos trilhos da desgraça dos trabalhadores, corrigindo pela hermenêutica da má vontade os desvairados preceitos trabalhistas da Constituição.

Para resolver o problema da incapacidade de julgamento das cortes superiores, que não estão dando vazão à demanda de tantos semicondenados, resolveu o impasse da impunidade facilmente. Mandou prender antes do trânsito em julgado, desde que a prisão seja conveniente.

Para resolver o problema das empresas, que não querem cumprir os deveres de civilidade, a solução é amordaçar os sindicatos e o aparelho trabalhista, cortando-lhes orçamento e reduzindo seu poder de atuação. Afinal, constitui afronta intolerável algo que se atreva defender a caterva trabalhadora.

Pobre está durando demais, passando de quarenta anos? A solução foi instituir o Plano Tartaruga de Aposentadoria, ou seja, precisa durar como tartaruga para se aposentar. Ora, caboclos folgados!

Pois bem. Também aqui, tomara que o Brasil não adote o exemplo de Bragunça!

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