A Festa de Babette (Dinamarca, 1987)

Por Leandro Lages, em CINEMA

A Festa de Babette (Dinamarca, 1987)

29 de Abril de 2015 às 16:23

Ira, inveja, preguiça, soberba, avareza, luxúria e gula. Eis os sete pecados capitais.

O megainvestidor Warren Buffet, conhecido por suas reflexões sinceras e autênticas, certa vez disse que “dos sete pecados capitais, a inveja é o mais idiota, porque não faz você se sentir melhor. Você se sente pior. Tive bons momentos com a gula... e nem vamos falar na luxúria”. Falemos, pois, caro Buffet, da gula!

A ideia da gula como pecado advém da noção de que o ato de alimentar-se tem por única função manter o corpo saudável. Alimentar-se em excesso ou ingerir bebidas alcoólicas faz o ser humano adentrar na seara do ilícito moral-religioso representado pelo pecado da gula.

A gula consiste não só na alimentação em excesso, mas também comer ou beber para sentir prazer, pois o prazer representa um sentimento terreno mundano a ser evitado.

O filme A Festa de Babette celebra a gastronomia e os prazeres que ela proporciona, principalmente quando apreciada entre amigos. O filme se torna especial por mostrar tudo isso dentro do contexto religioso da extirpação dos prazeres e da noção viva do pecado da gula.

O enredo se passa em 1871, quando a misteriosa Babette surge pedindo abrigo em um pequeno vilarejo da Noruega, fugindo de uma Paris em guerra. Logo recebe acolhida de duas religiosas senhoras, filhas de um rigoroso pastor. Em retribuição à moradia, Babette se dispõe a trabalhar em afazeres domésticos.

Dentre esses afazeres, Babette revela um dom que passa a perturbar as religiosas senhoras. Na cozinha, modifica a insossa e básica alimentação despertando nas senhoras um prazer até então desconhecido. E isso passa a incomodá-las, pois em sua estreita visão religiosa não devem alimentar prazeres.

Sua fama logo se espalha pelo vilarejo. Aos poucos Babette passa a cativar os moradores, ansiosos por apreciar os seus pratos, mas sem jamais demonstrar o prazer em degusta-los por temor ao pecado da gula. Nesse ponto, o filme estabelece uma sutil reflexão sobre a noção de pecado e o papel da religião como reguladora desses vícios na sociedade.

O filme atinge o ápice quando ela oferece um legítimo jantar francês no vilarejo e os moradores veem-se diante de um grande dilema: frear os seus ímpetos ou seguir adiante naquela nova experiência que desperta cada vez mais os deliciosos prazeres desconhecidos?

Raros são os filmes com a temática “gastronomia”, mas pode-se destacar o brasileiro Estômago (2008), uma bem construída e hilária trama policial com João Miguel, Fabíula Nascimento e o titã Paulo Miklos, ou ainda a animação Ratatouille (2007), que se passa em um fino restaurante francês dominado por ratos.

No livro O Clube dos Anjos, Luis Fernando Veríssimo descreve um grupo de amigos que se encontra periodicamente para beber e degustar bons pratos preparados por um misterioso chef. Após cada jantar um deles aparece morto. Ainda assim, mesmo diante do risco, preferem continuar os encontros celebrando a amizade em amplos goles e fartos pratos até a morte!

Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1988, A Festa de Babette leva a inúmeras reflexões, não somente sobre as relações entre o prazer e o pecado sob a ótica religiosa, mas principalmente sobre o quanto vale a pena pagar por uma verdadeira amizade.

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