A Lição (Urok), 2014/ O Valor de um Homem (La loi du marché), 2015

Por Leonel Veloso, em CINEMA

A Lição (Urok), 2014/ O Valor de um Homem (La loi du marché), 2015

14 de Julho de 2016 às 03:10

Thierry é um senhor francês de meia idade, casado, com um filho. Aparenta possuir algo em torno de 60 anos. De corpo enrijecido, mostra-se brevilíneo e com rugas espalhadas pela fronte. Usa um bigode de contornos desorganizados que se mesclam com pêlos esparsos e esbranquiçados. Veste-se de maneira cautelosa, sem chamar muita atenção ou alarde. Apresenta um padrão de voz hipofônico que, por vezes, torna difícil o discernir de seu tom anasalado. Tem uma feição parcialmente intimista, pouco deixando ser notado. Parece calmo, pensativo, reservado.
Nade é uma professora de Inglês que vive em uma pacata cidade da Bulgária. É casada com Mladen, um homem de aparência envelhecida e pálida, com discordantes traços de caráter, tendo o etilismo crônico como principal subterfúgio e aparato. Ambos têm uma filha que, basicamente, é criada pelo último, já que é a mãe a responsável por dispender a maior parte de suas horas em atos laborais. Nade, assim como o marido, parece cansada. Fala sempre em um tom alentecido e sereno, demonstrando preocupação e angústia difícil de serem nomeadas. Parece ter pouco tempo para o próprio autocuidado. Assim sendo, repete os seus dias com ética e celeridade.
Nesse universo de características subjetivas, Thierry encontra-se desempregado e, por seu turno, receoso e com dificuldades em fazer vínculos novos, principalmente em decorrência de sua idade e aparente descuidada formação escolar. Já Nade tem um emprego fixo que lhe gera uma renda mensal e ainda o complementa com traduções para empresas privadas, como um freelancer. Ela, em contrapartida, vê-se amordaçada por uma vultosa dívida financeira, decorrente das irresponsabilidades alcoólicas do marido. O que ambos adentram a partir de então são espaços complexos de grave crise e angústia, que os fazem sentir presos, incapazes, impotentes.
Tierry, assim, vê-se obrigado a se submeter a situações indignas, como aceitar entrevistas para cargos que sabe ser inferiores e que não lhe geram certeza alguma de êxito. É verdade que se esforça, do seu jeito e a sua maneira, mas, do outro lado, parece sempre receber como resposta algo que tenha o substituível ou o desvalorizado como manchete. A cada comentário, a cada entrevista, ouve calado mensagens de que pode melhorar ou de que ‘já está fraco demais para o que oferece’. Mesmo assim, tem um traço elegante em sua face, denotando preocupação e medo sem ser menos ético ou incoerente. É isso que talvez o conecte à vida de Nade, angustiada com uma dívida que é piorada quando diagnostica em sua própria sala de aula a presença de alguém furtando o dinheiro de terceiros. Isto parece lhe causar tanto incômodo que mais se assemelha a uma escoriação de difícil cicatrização.
As duas histórias, de Nade e Tierry, é bem verdade, ocorrem simultaneamente, porém aritmeticamente distantes. Estão em filmes diferentes, países longínquos e cidades desconectadas fisicamente. Parecem refletir uma classe social oprimida e consternada por anseios e desconfiança do futuro dos dias e das horas. Ligam-se no afeto; ambas são frutos de indivíduos éticos, corretos, preocupados. Ambientados estão em crises individuais, notando-se dentro de espaços de desigualdade, desprezo e desesperança. Mais do que dívidas ou situação laboral, o que os incomoda é a (in)diferença no olhar dos que aparentam estar em volta, é talvez a falha de um teórico movimento natural de construção de uma fraterna cidadania.
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