A Onda (Alemanha, 2008)

Por Márcio Barros, em CINEMA

A Onda (Alemanha, 2008)

20 de Maio de 2015 às 13:47

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Não custa nada se ajustar às condições
Estes senhores devem ter suas razões
Além do mais eles comandam multidões
Quem para o passo de uma maioria?

SIBA (Marcha Macia)

Ron Jones, um professor de história de uma pequena cidade do interior, realizou um experimento inusitado com seus alunos de ensino médio da disciplina mundo contemporâneo.  Jones pretendia falar sobre nazi-fascismo, manipulação e autocracia e como tudo isso ainda cabia no mundo atual, apesar de toda a atrocidade dos campos de concentração da segunda grande guerra.

         O professor era um carismático jovem de 25 anos. Surfista e de boa aparência, era uma referência para os alunos de 14, 15 anos da escola. O experimento consistia em envolver toda a turma em uma atmosfera contaminada pelo fascismo sem que eles percebessem e no final confrontá-los e debater com eles sobre a prática.

         A experiência duraria uma semana. A ideia era mostrar como pessoas normais podiam ser facilmente seduzidas por palavras de ordem como disciplina e coletividade e serem manipuladas por quem quer que manejasse esses termos com habilidade, exatamente como ocorrera na Alemanha de 1933 a 1945, quando a maioria da população alemã assinava o cheque em branco passado pelo führer.

         Jones dividiu a atividade em dias. No primeiro organizou a disposição das carteiras na sala, estabeleceu normas e determinou uma nova diretriz que os alunos deviam seguir: Disciplina. “Nossa turma será um diferencial nesta escola e fora dela” anunciava o professor, “mas para isso, o comportamento de todos também será diferenciado, e teremos que obedecer a um conjunto rigoroso de regras”. A partir de então, haveria hora para falar e silenciar, todos deviam se referir a ele como Senhor Jones, e, a cada pergunta, deveriam levantar o braço e, se autorizados, ficar de pé. Com seu carisma magnético, o professor não obteve grandes obstáculos para implementar a proposta. Apesar dessas imposições iniciais, os adolescentes foram se deixando levar pela “prática” inusitada.

         Em seguida o professor incutiu um enorme senso de coletividade. A meta era que os adolescentes fizessem parte de um “corpo” uniforme, pois juntos seriam mais “fortes” do que individualmente. E essa seria mais uma característica que os distinguiria das demais turmas. Dali em diante todos deveriam usar um uniforme, adotar uma saudação padrão e possuir um nome: a terceira onda.

         Àquela altura, até o desempenho curricular dos alunos melhorou. Eles eram orientados a cooperarem mutuamente em busca de resultados melhores para toda a classe. A influência do grupo já transpunha as paredes da sala de aula: De repente, toda a escola parecia querer fazer parte da empolgante e misteriosa “terceira onda”. O movimento ganhara vida própria e todos estavam cada vez mais entusiasmados. O grupo agora assumira contornos de irmandade, com seus componentes fazendo corações e mentes nos seus respectivos redutos sociais.

         Jones percebia que a situação ia tomando proporções bem maiores do que ele havia previsto inicialmente. A sua autoridade agora era totalmente incontestável. Podia levar a “massa” de adolescentes aonde quisesse. O professor estava realmente impressionado com o resultado, mas o que mais o perturbava era a estranha sensação de prazer que ele próprio experimentava ao sentir que tinha domínio completo sobre todos aqueles jovens.

         A narrativa acima apesar de cinematográfica é bem real. Aconteceu em abril de 1967 em Cubberley High School, Palo Alto, Califórnia. O professor Ron Jones (nome real) tornou público o epsódio, lançando o livro a Terceira Onda (The Third Wave) em 1976. Em 1981, foi produzido o filme a onda(The Wave) de Norman Lear. Ainda neste ano o escritor Todd Strasser publicaria o livro a onda também baseado no evento.

         O filme alemão Die Welle (a onda), de 2008, do diretor Dennis Gansel, inspirado no livro de Strasser, além de corajosamente ambientar a estória na Alemanha do século XXI, retrata bem a figura do “homem massa”, expressão cunhada pelo filosofo espanhol Ortega y Gasset, segundo a qual:

“a massa é o que não atua por si mesma. Tal é a sua missão. Veio ao mundo para ser dirigida, influída, representada, organizada – até para deixar de ser massa, ou, pelo menos, aspirar a isso.[...] Necessita referir a sua vida à uma instância superior.”

         Tanto a experiência de Jones, como o conceito de Ortega y Gasset, parecem jogar um feixe de luz sobre as razões que levariam, por exemplo, inúmeros jovens (vários deles nascidos e criados nos lugares mais civilizados do mundo) a renderem-se aos apelos de retorno à barbárie absoluta pregados pelo Estado Islâmico.

         Casos extremos à parte, o fato é que a maioria da humanidade é formada pelos “homens massa” que necessitam de uma minoria que lhes aponte uma direção, qualquer que seja, já que eles próprios não pagam o preço necessário cobrado pela ousadia/originalidade. Por esse comodismo abre-se mão até do bem mais precioso: a liberdade. Mas, o pior de tudo é constatar que, muito provavelmente, fazemos parte dessa grande onda de mediocridade que ao longo dos séculos banhou a história da humanidade e que foi, é, e sempre será comandada por muito poucos.

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