A Trilogia do Apartamento: O Inquilino (França, 1976)

Por Leonel Veloso, em CINEMA

A Trilogia do Apartamento: O Inquilino (França, 1976)

25 de Janeiro de 2017 às 03:33

Em uma folha em branco, de aparentes contornos precisos, pode-se sempre começar algo novo. Algo este que nos permita um simples rascunho ou que seja um ad eternum em tom de mensagem. Algo tal e qual uma gravura ou, quem sabe, que nos remeta a um discreto desenho. Esse novo é desconhecido, misterioso; por vezes, fugaz, aterrorizante. O que está por vir é sempre uma indagação a se explanar. É como entrar em um apartamento vazio, este de contornos nem tão precisos, e iniciar um novo ciclo ou, por que não, uma vida nova. As memórias, angústias, alegrias vividas ali são aprendizados e lembranças também novas e de aparente invisibilidade aos olhos.
É justamente em um ambiente como este, um pouco mais soturno e sombrio, que o Sr. Trelkovsky decide, sozinho, alojar-se. Incômodos como a inexistência de um banheiro interno, a zeladora rude, o locatário intimidador ou, quiçá, nefastos comentários da antiga inquilina não o impedem de tornar aquele o seu cômodo lar. À primeira vista, não percebe rachaduras, ruídos ou riscados, nem mesmo o tom arisco da sala ou escada. E só se incomoda, até de terna forma, com aquele estrépito recorrente a ressoar por entre o encanamento.
Talvez por isso, seja este senhor tão calmo, reservado, silencioso e sereno, de reconhecida educação e formalidade. Decide, pois, viver consigo mesmo e sem aparente desejo de companhias eternas. De relação interpessoal modesta, reserva-se a trocar algumas palavras com os colegas de trabalho, estes ainda distantes de uma amizade discordante, e prefere o caminhar solitário de um andarilho viajante. Mas, já de choque, percebe-se incrivelmente conectado àquela nova morada.
Já nos primeiros dias, preocupa-se em demasia com o bem estar de terceiros, mais do que a si próprio. Esses incluem os vizinhos exóticos e os bizarros, passam pelos externos, como o garçom do café ao lado, até chegar à antiga inquilina, que havia decidido dar um fim em sua própria vida. Quem conseguiria morar em um lugar como este, afinal? – Definitivamente, tratava-se de uma indagação que o Sr. Trelkovsky jamais ousou fazê-la.
Parece que por isso mesmo ele tenha se interessado em conhecer, mesmo que superficialmente, àquela vida sucumbida em breves minutos. Para isso, percorreu entranhas aparentes e outras de fácil acesso, descobrindo detalhes simples do cotidiano daquela mulher, agora ex moradora, de nome breve e singelo: Stella. Esta, por exemplo, preferia o chocolate ao café, fumava apenas o cigarro Marlboro do gosto mais intenso e sentava-se sempre na mesma cadeira do bar que já diariamente frequentava para solicitar similares cardápios. Tais características, aparentemente sem importância, pareceram, pois, adentrar calmamente no inconsciente do Sr. Trelkovsky. Sem perceber, todas aquelas nuances, quando pensadas de forma ritualizada, transformavam-se vagarosamente em um hábito que ele próprio passava a exercer. Talvez por seu ego frágil e permissivo, tenha se deixado tomar por ruminações diversas que, aos poucos, iam consumindo todos as suas angústias e refúgios.
E a partir deste ponto, por aparente discordância de seu afeto, iniciavam-se perturbações em sua mente, que o faziam desconfiar das pessoas de forma intempestiva, adquirir hábitos peculiares e que não podiam ser questionados. Tais excêntricos comportamentos refletiam, por si só, sua suspicácia e persecutoriedade. Os vizinhos, por exemplo, que há pouco lhe causavam preocupação, agora o faziam sentir ódio e agressividade. Todos esses novos hábitos, é bem verdade, estavam inabaláveis, fazendo parte do seu pensar de uma maneira tal que o impedia de retomar suas antigas defesas psíquicas.
E todos esses horrores construídos paulatinamente foram se tornando fundamentais para a perda de identidade do Sr. Trelkovsky que, cada vez mais dissociado, não mais conseguia se adequar aos padrões de vida considerados saudáveis. Se não moldar-se a isso reflete a loucura individual, o que se pode dizer é que ele tornou-se um ébrio alucinado. Talvez, fosse preferível dizer que ele apenas ousou seguir seus instintos próprios, e o fez por ter percorrido tantos outros soturnos caminhos.
Em uma folha em branco, de aparentes contornos precisos, pode-se sempre começar algo novo. Algo este que nos permita um simples rascunho ou que seja um ad eternum em tom de mensagem. Algo tal e qual uma gravura ou, quem sabe, que nos remeta a um discreto desenho. Esse novo é desconhecido, misterioso; por vezes, fugaz, aterrorizante. O que está por vir é sempre uma indagação a se explanar. É como entrar em um apartamento vazio, este de contornos nem tão precisos, e iniciar um novo ciclo ou, por que não, uma vida nova. As memórias, angústias, alegrias vividas ali são aprendizados e lembranças também novas e de aparente invisibilidade aos olhos.
É justamente em um ambiente como este, um pouco mais soturno e sombrio, que o Sr. Trelkovsky decide, sozinho, alojar-se. Incômodos como a inexistência de um banheiro interno, a zeladora rude, o locatário intimidador ou, quiçá, nefastos comentários da antiga inquilina não o impedem de tornar aquele o seu cômodo lar. À primeira vista, não percebe rachaduras, ruídos ou riscados, nem mesmo o tom arisco da sala ou escada. E só se incomoda, até de terna forma, com aquele estrépito recorrente a ressoar por entre o encanamento.
Talvez por isso, seja este senhor tão calmo, reservado, silencioso e sereno, de reconhecida educação e formalidade. Decide, pois, viver consigo mesmo e sem aparente desejo de companhias eternas. De relação interpessoal modesta, reserva-se a trocar algumas palavras com os colegas de trabalho, estes ainda distantes de uma amizade discordante, e prefere o caminhar solitário de um andarilho viajante. Mas, já de choque, percebe-se incrivelmente conectado àquela nova morada.
Já nos primeiros dias, preocupa-se em demasia com o bem estar de terceiros, mais do que a si próprio. Esses incluem os vizinhos exóticos e os bizarros, passam pelos externos, como o garçom do café ao lado, até chegar à antiga inquilina, que havia decidido dar um fim em sua própria vida. Quem conseguiria morar em um lugar como este, afinal? – Definitivamente, tratava-se de uma indagação que o Sr. Trelkovsky jamais ousou fazê-la.
Parece que por isso mesmo ele tenha se interessado em conhecer, mesmo que superficialmente, àquela vida sucumbida em breves minutos. Para isso, percorreu entranhas aparentes e outras de fácil acesso, descobrindo detalhes simples do cotidiano daquela mulher, agora ex moradora, de nome breve e singelo: Stella. Esta, por exemplo, preferia o chocolate ao café, fumava apenas o cigarro Marlboro do gosto mais intenso e sentava-se sempre na mesma cadeira do bar que já diariamente frequentava para solicitar similares cardápios. Tais características, aparentemente sem importância, pareceram, pois, adentrar calmamente no inconsciente do Sr. Trelkovsky. Sem perceber, todas aquelas nuances, quando pensadas de forma ritualizada, transformavam-se vagarosamente em um hábito que ele próprio passava a exercer. Talvez por seu ego frágil e permissivo, tenha se deixado tomar por ruminações diversas que, aos poucos, iam consumindo todos as suas angústias e refúgios.
E a partir deste ponto, por aparente discordância de seu afeto, iniciavam-se perturbações em sua mente, que o faziam desconfiar das pessoas de forma intempestiva, adquirir hábitos peculiares e que não podiam ser questionados. Tais excêntricos comportamentos refletiam, por si só, sua suspicácia e persecutoriedade. Os vizinhos, por exemplo, que há pouco lhe causavam preocupação, agora o faziam sentir ódio e agressividade. Todos esses novos hábitos, é bem verdade, estavam inabaláveis, fazendo parte do seu pensar de uma maneira tal que o impedia de retomar suas antigas defesas psíquicas.
E todos esses horrores construídos paulatinamente foram se tornando fundamentais para a perda de identidade do Sr. Trelkovsky que, cada vez mais dissociado, não mais conseguia se adequar aos padrões de vida considerados saudáveis. Se não moldar-se a isso reflete a loucura individual, o que se pode dizer é que ele tornou-se um ébrio alucinado. Talvez, fosse preferível dizer que ele apenas ousou seguir seus instintos próprios, e o fez por ter percorrido tantos outros soturnos caminhos.
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