As relações perigosas (Estados Unidos, 1988)

Por Márcio Barros, em OPINIÃO

As relações perigosas (Estados Unidos, 1988)

12 de Setembro de 2014 às 00:56

Segundo schopenhauer, o desejo sempre leva ao sofrimento. Quando não satisfeito, nos dá a sensação de incompletude. Quando satisfeito, vira tédio. Desejo e sofrimento são o que não faltam ao romance epistolar As relações perigosas, do francês Chordelos de Laclos.

Escrito em 1779 e publicado em 1782 , o romance, considerado por Charles Baudelaire como um dos desencadeadores da revolução francesa (Maria Antonieta, inclusive, possuía o livro em sua biblioteca particular), narra, através de cartas, as desventuras de um grupo da aristocracia francesa do século XVIII em uma trama cheia de desejo, manipulação, cinismo, sedução, amor, ódio e sofrimento.

O autor, Pierre Ambroise Francois Chordelos de Laclos, serviu durante 20 anos o exército francês como oficial, chegando, nos últimos anos de vida, a ser general de Napoleão Bonaparte. Provavelmente utilizou sua vasta experiência do mundo bélico para estruturar o romance, que se trata, em última instância, de uma guerra, utilizando armas psicológicas. Estratégia, conspirações, manipulação, ataque e defesa, avanços e recuos, disputa de poder, vingança etc.. eram conceitos que Laclos conhecia bem do campo de batalha e que permeiam toda a narrativa.

A história gira em torno da Marquesa de Merteuil e do Visconde de Valmont, dois entediados aristocratas libertinos que se unem em um plano para seduzir e deposar a jovem Cecile de Volanges, noiva prometida ao Conde de Gercourt, ex-marido de Merteuil, e pelo qual a Marquesa nutre um enorme desejo de vingança. O Visconde de Valmont também deseja a todo custo seduzir a Madame de Turvel, mulher casada, religiosa e cheia de princípios morais, que é o extremo oposto do Visconde.

A trama se desenvolve sempre através dos dois personagens (Merteuil e Valmont), fazendo com que os outros, apesar da sua importância, atuem apenas como joguetes ou meros espectadores do teatro de manipulações da dupla.

O enredo poderia parecer demasiado comum a tantos outros que tratam do assunto, não fosse a extrema destreza de Laclos em dissecar psicologicamente os personagens, antecipando em mais de cem anos Freud e os romances psicológicos do século XIX. Outro diferencial da obra está na ambuiguidade dos dois principais personagens: Apesar de extremamente cruéis, manipuladores e amorais, possuem um charme incrível: em determinado momento chega-se a torcer por eles. Intencionalmente ou não, Laclos fez com que estes dois personagens seduzissem inclusive os leitores.

“As relações perigosas” possui várias adaptações para Teatro e Cinema, talvez a mais conhecida seja a de Stephen Frears de 1989, com Glenn Close, John Malkovich, Michelle Pfeiffer e Uma Thurman. Apesar de não captar as nuances psicológicas do livro, o filme é bem conduzido, com destaque para a cena final, em que a Marquesa (Close) é literalmente “desmascarada”. 

Não obstante ter sido escrito no século XVIII, o romance permanece extremamente atual e ainda desperta interesse. Talvez parte disso seja em virtude de que, como bem observou o filosofo alemão, desejo e sofrimento andem sempre juntos e são características inerentes da condição humana.

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