Boyhood (EUA, 2014)

Por Leandro Lages, em CINEMA

Boyhood (EUA, 2014)

04 de Fevereiro de 2015 às 14:06

Logo na primeira cena percebe-se que Boyhood é poesia pura, uma poesia simples, urbana e familiar.

Ao som de Yellow, de Coldplay, o garoto Mason (Ellar Coltrane) permanece deitado no gramado de sua casa observando o céu, estático e pensativo, enquanto a trilha sonora desfia os primeiros sons: “look at the stars, look how they shine for you...”.

A partir daí, inicia-se uma jornada de 2h 45min percorrendo os próximos 12 anos na vida do garoto, da infância à juventude, da escola à faculdade. O filme desperta a atenção pelo fato de ter sido gravado durante 12 anos com os mesmos atores, exibindo de forma real o crescimento e amadurecimento de cada um deles. No início das filmagens a ator tinha 7 anos e no final 18 anos e não deixa de ser curioso perceber as grandes transformações que ocorrem durante essa turbulenta fase da vida.

Enquanto o filme exibe a vida dos protagonistas, observam-se fatos marcantes de cada época nos mais variados aspectos históricos, políticos, sociais e culturais. É necessário atenção para notar esses fatos, como também para perceber que cada música tocada marcou a época em que o filme se passou. E a trilha sonora é um dos pontos fortes do filme, com Arcade Fire, Coldplay, Foo Figthers e Kings of Leon, além dos veteranos Bob Dylan, Beatles e Pink Floyd.

Isso já seria suficiente para dar grandes méritos ao filme, mas Boyhood vai muito além desses aspectos. Filho de pais separados, o garoto observa o cotidiano familiar. Tudo se passa aos seus olhos, como se fossemos cumplices dele: as discussões dos pais, o convívio com a irmã e amigos, as paixões juvenis, as visitas esporádicas do pai e a árdua rotina da mãe que se sacrifica por uma vida melhor as filhos.

O filme possui todos os ingredientes para ser entediante, mas o diretor Richard Linklater adotou a mesma fórmula utilizada em sua famosa trilogia Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr-do-Sol (2004) e Antes da Meia-Noite (2014).

Nestes filmes, o mesmo casal de protagonistas (Ethan Hawke e Julie Delpie) é mostrado em diferentes fases de suas vidas enquanto conversam e divagam sobre amenidades em caminhadas pelas ruas de Viena, Paris e Grécia, deixando o espectador hipnotizado durante os longos diálogos.

Em Boyhood a fórmula também funciona, mas é preciso saber olhar o filme, pois do início ao fim mantém a mesma toada, sem altos e baixos, sem melodramas, sem clímax, mas com um profundo envolvimento por quem se permite deixar levar pela singela e melancólica vida do garoto.

Essa talvez seja a grande lição do filme: alertar para a deslumbrante simplicidade da vida, algo para qual a humanidade cada vez mais cerra os olhos e permanece em eterna angústia sempre à espera de um ilusório momento supremo. Como se a vida fosse a qualquer momento adquirir um colorido especial tal qual demonstrado nos finais felizes de novelas e dramas superficiais. E enquanto esse fantasioso momento não chega, a angústia vai corroendo a alma e a vida se esvai entre os dedos, assim como ilustrado na melodia da música Time (Pink Floyd).

Essa situação talvez seja reflexo do estágio em que nos encontramos, no qual, segundo Mário Vargas Llosa, na obra “A civilização do espetáculo”, valoriza-se a cultura que propicia o menor esforço intelectual e a atitude passiva, com entrega submissa a sensações desencadeadas por imagens que chamam a atenção de forma primária mas terminam por embotar a sensibilidade e o intelecto do público. 

Vargas Llosa faz esse alerta ao se referir a alguns programas de televisão que valorizam escândalos, às revistas que abordam a vida de celebridades artificiais, aos filmes que apenas destacam os efeitos visuais, à superficialidade da literatura best-seller e ao charlatanismo de alguns “artistas” que exploram a arte moderna.

Boyhood anda longe de tudo isso, e assim como A Árvore de Vida (2011), nos mostra que os grandes momentos da nossa existência ocorrem a todo instante e não são necessariamente momentos felizes.

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