Cronicamente viável: Chá de boldo

Por Raul Lopes, em CRÔNICA

Cronicamente viável: Chá de boldo

26 de Outubro de 2016 às 03:21

Não sei se meu caso é um daqueles isolados ou se existe mais alguém que compartilhe da minha impressão. Não é a primeira vez que falo desse assunto por essas bandas, mas a banalização do absurdo está progredindo em nosso país e a política se apresenta como um grande espaço de atuação.
Numa época não tão distante, por exemplo, a capa da revista 'Veja' era um canal em que se anunciava o próximo choque de ruptura política no país. Um furo de reportagem, um escândalo de negociatas ou até mesmo um sinal perdido de parabólica era suficiente para parar o país e incomodar até mesmo os mais distantes do interesse político.
É risível observar o esforço dos editores de capas de jornais e revistas para chocar a sociedade com um novo escândalo; cores fortes, frases de efeito, trecho de entrevistas, mas todo aquele esforço acaba em vão; não dura 48h, na terça o problema é outro, não há tempo para qualquer reflexão. Ninguém mais se assusta com absurdo, parece algo normal e rotineiro; me pergunto que tipo de notícia realmente poderia abalar a sociedade brasileira, que tipo de crime seria esse?
Nos Estados Unidos o caso da utilização de emails particulares da candidata a presidência Hillary para tratar de assuntos do poder público quase põe em risco sua candidatura, e se fosse por aqui? Creio que a tal descoberta dividiria espaço nos noticiários com o clássico: Corinthians x Ponte Preta do meio de semana. E o caso do anel de 800.000 reais recebido pela esposa do ex-Governador do Rio de janeiro, Sérgio Cabral, dado por um certo empreiteiro que contratava como poder público carioca à época de seu mandato. O ex-governador alega que não sabia o valor da gentileza, mas logo foi descoberto que o próprio político passou pela Place Vendôme em Paris para escolher a joia e que, depois de delatado pelo empreiteiro, mandou devolver o presente. Certo estava o historiador Sérgio Buarque de Holanda ao cravar o termo "homem cordial" aos brasileiros.
Aqui o "cordial" não é de educado ou de gentil e sim “um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente do ninho familiar”, pois “as relações que se criam na vida doméstica, sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós”. Por isso, em geral, os indivíduos não conseguem compreender a distinção fundamental entre as instâncias públicas e privadas, principalmente entre o Estado e a família.
Por mais que pareça ser, esse relato não se trata de uma crônica política e sim um diagnostico de uma sociedade imersa numa crise de riscos da pós-modernidade, uma profusão difusa de velozes incidentes e informações que o estômago social é incapaz de digerir. Haja chá de boldo.
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